sexta-feira, 30 de julho de 2010

Um Índio no poder


UM ÍNDIO NO PODER - por Moacir Poconé

O povo brasileiro tem uma espécie de ditado que afirma que “numa eleição, não se vota em vice”. Essa máxima pretende menosprezar a figura do candidato a vice em cargos eletivos, seja em âmbito municipal, estadual ou federal. Trata da figura do vice como algo decorativo, que está ali apenas por uma exigência da Justiça Eleitoral. Mas não é bem assim.

Trataremos da questão no aspecto federal. Inicialmente, é preciso dizer que até a eleição presidencial de 1960 votava-se no vice. Isso sem qualquer necessidade de vínculo com o candidato a presidente. Dessa forma, a título de exemplo, foram eleitos Floriano Peixoto (que não era vice do presidente eleito Deodoro da Fonseca) e João Goulart (que não era vice de Jânio Quadros). Percebam a confusão, pois se uma das funções do vice é a de torcer contra o titular do cargo, imagine nas situações acima quando havia rivalidade entre os eleitos.

Outro dado curioso (e que derruba definitivamente o ditado de que se falou no início desse texto) é que no período republicano, mesmo contando com os presidentes militares, houve vinte e oito mandatos presidenciais. Desse total, sete vice-presidentes assumiram o cargo por renúncia ou morte do titular. Isso corresponde a 25% de presidentes eleitos sendo substituídos por políticos que deveriam, em tese, ficar relegados a segundo plano.

Eis a lista:
Floriano Peixoto – assumiu devido à renúncia de Deodoro da Fonseca
Nilo Peçanha – assumiu após a morte de Afonso Pena
Delfim Moreira – substituiu Rodrigues Alves, morto, antes de sua segunda posse
Café Filho – assume o poder após o suicídio de Getúlio Vargas
João Goulart – chega à presidência após a renúncia de Jânio Quadros
José Sarney – assume o poder após a morte de Tancredo Neves, que nem toma posse
Itamar Franco – assume o cargo após a renúncia de Collor

Percebe-se que todo cuidado é pouco na escolha do candidato a presidente, pois pode ser que seu vice efetivamente governe.

Nas eleições desse ano chamou atenção a escolha do vice do candidato José Serra. Chama-se Antonio Pedro Índio da Costa, do DEM. Trata-se de um jovem deputado federal de apenas 39 anos e sem muita relevância (até então) no cenário político nacional. Como única referência, trata-se do relator do projeto de iniciativa popular apelidado de “Ficha Limpa”, que impede a candidatura de políticos condenados por tribunais às eleições. Sua escolha foi algo surpreendente. Entre tantos “caciques” do PSDB e do DEM não se esperava que um “índio” fosse alçado à condição de integrante da chapa de oposição ao governo Lula.

Entretanto, mais do que surpreendentes foram suas declarações há algumas semanas de que o PT é aliado dos narcotraficantes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que há décadas aterroriza aquele país da América do Sul, seqüestrando e matando pessoas, principalmente políticos. O preocupante é que não há qualquer prova ou indício de que isso seja verdade. Sua atenção foi somente a de criar polêmica e de atingir sua maior rival, Dilma Roussef e o próprio Presidente da República. Acreditava-se que tal artifício não tivesse mais espaço na política de hoje. Ao menos em nível federal, quando se espera que os debates e ideias prevaleçam sobre atos levianos como os protagonizados pelo deputado Índio.

Assim, caso eleito, é preciso que rezemos pela saúde de Serra e para que nada de ruim lhe aconteça...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A ditadura do vinil



A DITADURA DO VINIL – por Vicente Bezerra

“Mamãe tá dodói? Papai dá dá beijo que passa...”. É meus caros. Essa frase de uma música dos Aviões do Forró, sucesso do momento, talvez nem existisse ou nem conhecêssemos se ainda houvesse o vinil. Falo do disco, do LP (long player), que é esse sujeito da foto. O vinil é o pai do CD, avô do Mp3. O rei do 3 em 1!

O que digo no início faz sentido, porque o vinil não era democrático como é o CD. Explico: antes, era muito difícil pra um artista chegar a gravar um disco. O custo de um vinil era muito alto para as gravadoras apostarem em um artista. Gastava-se com a arte da capa, com o estúdio, com a banda de estúdio (isso mesmo, nem sempre quem tocava nos discos era o artista da capa, que só cantava), com produção, com propaganda, com a fabricação do disco em si (molde, prensagem).

Com o CD, tudo barateou. É mais fácil e barato gravar um CD. Hoje, um computador pode ser um estúdio. Por esses motivos, pra se gravar um LP o artista tinha que ser muito bom (qualitativamente e principalmente quantitativamente): ser promissor, na arte, nas vendas e na durabilidade de sua carreira. Com isso muita gente não teria espaço hoje em dia. Ou você acha que Lairton, Latino, Aviões, Restart, NxZero, Rodolfo e Cecília, Vítor e Léo teriam conseguido gravar discos? A resposta fica no ar, literalmente.

Só ia ao ar das rádios, os campeões de audiência e vendas de discos, como Roberto Carlos, Julio Iglesias, pra ficar nos românticos. Até no axé, poucas eram as bandas que conseguiam gravar discos. Asa, Chiclete, Daniela eram expoentes. Nunca que as “Patchankas” e “Tomates” da vida veriam seus nomes no selo das bolachas (aquele rótulo no centro dos vinis), por não possuírem os requisitos acima descritos. Mas a indústria tinha como fazer o teste das vendagens: os compactos. Os compactos eram discos de vinil pequenos, com no mínimo duas e no máximo quatro músicas, onde lançavam material dos artistas novos. Se vendesse bem, gravava o disco. Nos dias de hoje, seria como se Luan Santana gravasse o “meteoro da paixão” dele pra ver se emplacava. O CD nos trouxe esse prejuízo: ouvimos dezenas de música do mesmo artista, massificado pela propaganda, e catapultado ao sucesso efêmero, em parte proporcionado pelo baixo custo de se gravar atualmente (inclusive os dvds).

Outro fator da massificação da música foi a mudança de preço e a pirataria. Quando só existia o vinil, o preço era caro. Poucos podiam comprar vários de uma vez só. Foi quando surgiu a pirataria, que era a gravação do LP em fita K7 (uma prima do disco). Mesmo assim, era difícil a multiplicação da pirataria. Com o CD, o que eram dezenas de cópias, viraram milhares e mais baratas. Um cd virgem era mais barato que a fita, quando os dois ainda conviviam no mundo dos vivos. Com isso, os artistas já citados começaram a ganhar espaço, pois ficou mais fácil mostrar e distribuir o material que produziam (alguns chamam esse material de música). Em contrapartida, perderam dinheiro em vendas. Artistas ganham atualmente mais com shows.

Não, este não é um texto em defesa do vinil e crucificação do CD. Este tem uma qualidade sonora muito melhor. O que se quer dizer é que, quando o LP reinava, os artistas de destaque, nos diversos ritmos, tinham que ser bons no que faziam. A qualidade sonora melhorou, a musical não. Ouvir um disco era um ritual: tirar da capa, limpar, colocar a agulha, sentar para ouvir, levantar para trocar o lado. Não se dava “pause” nem colocava no “sorteio”. Embora não fosse nada prático, esse ritual prendia mais a atenção ao que estava sendo tocado.

Como todo ditador que se preza, o vinil ensaia a sua volta na forma de golpe: contra o bolso. A indústria se aproveita de um grupo restrito de amantes do vinil, que com suas idades de 30 anos em diante, possuem poder aquisitivo maior do quando viveram o auge do “bolachão” e aplicam nesses novos lançamentos valores exorbitantes. Um LP “novo” (existe mesmo) pode atingir os R$ 100,00!

O vinil está na UTI faz décadas e ameaça retornar do coma (eu torço, mas não acredito). O CD, graças à pirataria, em breve deve estar na cama ao lado. Mas ninguém pode dizer que essa ditadura não foi boa. A democracia do CD, em alguns casos, foi nociva. Pense do que você ia ser poupado!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O dono do mundo



O DONO DO MUNDO - por Moacir Poconé

O presidente da CBF – Confederação Brasileira de Futebol – se considera o verdadeiro dono do mundo. Há mais de 20 anos no poder, não conhece adversários e dirige de forma ditatorial a entidade máxima do futebol brasileiro.

O último exemplo de sua arrogância se deu na última sexta-feira. Sem consultar o procurador do técnico Muricy Ramalho ou o clube em que este trabalha, o Fluminense, Ricardo Teixeira mais uma vez acreditou que a sua vontade prevaleceria sobre tudo e todos. Em uma reunião se deixou filmar ao lado de Muricy, mostrando quem seria o seu escolhido para o cargo de treinador de nossa Seleção. Foi alertado na ocasião de que havia um contrato em vigência. Mas o “dono do mundo” não se abateu. Chegou mesmo a afirmar que pagaria o pagamento da multa pela rescisão contratual do treinador. Muricy, entretanto, deixou uma condição específica: só assumiria a Seleção se o Fluminense o liberasse.

Jamais o senhor de nosso futebol pensaria que um técnico ousasse impor essa ou qualquer outra condição. Ainda mais um técnico do Fluminense, clube que apenas em 2009 teve mais de quatro técnicos. Mas Muricy foi taxativo: cumpre os contratos que assina. Aquilo deve ter causado estranheza a Ricardo Teixeira. Há uma frase célebre que diz que a honestidade é algo esdrúxulo ao desonesto. Provavelmente, essa deve ter sido a sensação: o surgimento de um componente até então desconhecido em suas práticas como presidente da CBF. Qual foi a sua reação ao saber da recusa inesperada? Divulgar uma nota em que afirma que o novo treinador escolhido não recusou o posto de comandante da nova seleção. Como se Muricy a tivesse recusado. Mas não foi isso que ocorreu.

Muricy não ficou no Fluminense em detrimento à Seleção Brasileira. Não foi um “burro”, como dirão alguns. Ou um “louco”, como dirão outros. Para ele a questão é mais simples. O mundo não se resume ao futebol. O clube em que trabalha não o liberou e ele costuma cumprir seus contratos. Apenas isso. O que causa estranheza é que todo esse compromisso ainda exista em nosso futebol, marcado de exemplos tão ruins para todos. Tomara que o “dono do mundo” perceba que o mundo real é bem maior que a sua CBF.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Brasil é um país chato



O BRASIL É UM PAÍS CHATO – por Vicente Bezerra

“O Brasil não é um país sério”, já dizia Charles de Gaulle e não é novidade nenhuma para nós faz décadas. O novo para nós é que o Brasil está se tornando um país chato.

Estamos nos transformando num país onde tudo que é politicamente incorreto e censurado. O minimamente intolerável é criticado e banido, quando não punido. Não podemos chamar nosso amigo de “negão”, porque não é politicamente correto. Além disso, é crime. Agora ele é afrodescendente!

A mais nova é a possível proibição de pais darem “palmadas” nos filhos. O nosso Congresso – onde já houve muitas trapalhadas – está votando um projeto com essa sandice. Eles já foram mais engraçados... Um pai ou uma mãe não poderá dar uma reprimenda mais dura num filho, um “corretivo”, porque estará sujeito à visita de assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e outras autoridades, além de fazerem tratamento, entre outras atividades correcionais. O “corretivo” agora é do Estado nos pais.

Outro caso que demonstra a chatice que está tomando conta do país aconteceu na mídia. O programa televisivo de humor “Pânico na TV” possui um quadro em que uma repórter, ao entrevistar famosos, solta um potente arroto. Pois bem, a repórter vivida por Vanessa Barzan soltou um desses enquanto entrevistava a veterana atriz Laura Cardoso. Foi o estopim para que os chatos de plantão, através de twitters e similares, e capitaneados por Miguel Falabella, gritarem ao mundo que tal arroto era um desrespeito à carreira ímpar, ao ícone da dramaturgia. A atriz merece os elogios sim, mas nós também merecemos rir.

O nosso futebol nem se fala. A beleza, a arte, a malandragem do nosso futebol faz muito que sumiu. Os jogos dos nossos times no Campeonato Brasileiro são de doer. Hoje em dia, muitos preferem ver os campeonatos europeus ao brasileiro. Nossos melhores jogadores estão fora do país, e os que ficam são de medianos para baixo. A seleção brasileira, então, copiou toda essa chatice nessa última Copa do Mundo, com seu futebol burocrático e seu treinador “gasturento”.

Na presidência da república a coisa muda um pouco. Não podemos reclamar do nosso presidente. Lula com as suas famosas declarações e suas parábolas futebolísticas nos diverte à beça. Ele superou Collor e suas camisetas de frases feitas, mas não vence Itamar Franco nesse quesito. Itamar caía no samba da Sapucaí e uma de suas amantes mostrava “a porta do mundo” para deleite da galera. Bom, aí veio Fernando Henrique...

Nosso país está assim. Não se pode fazer graça, não se pode fazer nada, mas se pode reclamar de tudo. E se depender dos presidenciáveis, o panorama não vai mudar. Ou alguém acha Dilma e Serra divertidos? Chatos. Com galocha e tudo.

A foto? Porque o Marcos Mion é chato pra caramba!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Salvo pelo sino


SALVO PELO SINO - por Moacir Poconé

Depois de quase três meses, o vazamento que ocorre no Golfo do México parece ter cessado. A empresa britânica British Petroleoum (BP) conseguiu instalar um sino de contenção e o fluxo de óleo finalmente acabou.

Não sou das pessoas mais ecológicas. Ao contrário, creio que há muito de sensacionalismo por trás de notícias sobre o aquecimento global, por exemplo (prometo voltar ao tema em outra oportunidade). Mas, são inegáveis os danos causados por essa que já é considerada uma das maiores tragédias ambientais da história. Imaginem que já foram jogados ao mar cerca de 660 milhões de litros de óleo e mais de 340 milhões de metros cúbico de gás natural. São números tão impressionantes que sequer temos a noção de quanto isso significa. Só sabemos que não é pouco.

Sem dúvida, a fauna e a flora aquática que existiam naquela região demorarão décadas para se recompor. São tartarugas marinhas, aves, golfinhos e as mais diversas plantas que já tiveram (ou terão) o seu habitat natural devastado pelo óleo incontrolável. Óbvio que nós mesmos, seres humanos, também seremos vítimas de tal fatalidade. Já são onze pessoas mortas por problemas derivados do vazamento, sem contar que se calculam em bilhões os prejuízos econômicos, seja na indústria pesqueira , seja na indústria turística.

E assim o homem vai se destruindo. Como um suicida que se mata aos poucos. Fecha os olhos para as conseqüências e pensa somente nos resultados de lucro e progresso. Pouco importa que o ambiente em que viva esteja poluído ou degradado por sua própria ação. A tecnologia é criada para a exploração. Não se levantam sequer hipóteses de que algo errado possa acontecer. Como já dito, três meses se passaram e nada foi capaz de conter o desastre.

Porém, eis que surge uma solução. Não se trata de um tampão ou de uma rolha qualquer. O nome é muito mais sugestivo. Chamam a peça de sino. Um sino de contenção. Tomara que além de sua função básica, produza algum tipo de som, como convém a todo sino. Espera-se que suas "badaladas" ecoem pelo mar e cheguem à superfície para que os homens tenham mais consciência de seus atos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O crime compensa


O CRIME COMPENSA – por Vicente Bezerra

O crime compensa. Caso Eliza Samudio, Casal Richthofen, Mércia Nakashima, Isabela Nardoni, só pra citar alguns casos recentes e marcantes. O ditado não se refere aos autores das atrocidades citadas, muito menos para as vítimas, claro. O crime compensa, e muito, para a mídia.

O Brasil tem acompanhado nos últimos dez anos o surgimento de programas policiais na televisão em profusão. Isso começou timidamente na década de 70, com o “homem do sapato branco”, personagem do jornalista Jacinto Figueira Júnior. Na década seguinte, Hélio Costa (jornalista e mais recentemente ex-ministro) capitaneava seu programa, nos moldes do “sapato branco”. Esses programas geralmente narravam histórias e casos chocantes, muitas vezes com cenas de reconstituição.

Veio a década de 90 e o SBT lançou o famigerado “Aqui Agora”. O indefectível Gil Gomes era o repórter principal e o que se tornou mais famoso, por espezinhar e esmiuçar a desgraça alheia. A Globo, para não copiar a então rival, criou o seu programa policial, o “Linha Direta”, repetindo a fórmula de Jacinto e Hélio Costa. O “padrão Globo” de jornalismo, tentava glamourizar o crime, fazendo-o parecer novela.

Mas o pior estava por vir. Os anos 2000 trouxeram programas policiais nos moldes americanos. Como toda cópia tende a ser pior que o original, os nossos saíram como uma pálida “xerox” borrada. Liderados por José Luiz Datena e Marcelo Resende, o sensacionalismo barato tomou conta da TV, sem pedir licença, em pleno horário vespertino, com muitas crianças vendo, inclusive. O desrespeito por quem assiste é muito grande, mas não maior do que o imposto às vítimas. Em diversas ocasiões se vê a invasão àquelas pessoas, na sua intimidade, dignidade e dor. Perguntas são feitas como se fossem dedos a tocar diretamente em feridas. E no auge da agonia, sempre dá tempo de interromper para anunciar o “cogumelo do sol” ou a “tecpix”.

O crime está banalizado. A repercussão criada é exagerada. Óbvio que crimes como os citados chocam e devem ser noticiados. Porém, preencher toda a programação de um canal com um caso específico, repetindo cenas, entrevistas, depoimentos, é de uma pobreza de espírito infeliz. Esses programas querem nos fazer acreditar que o crime está batendo na nossa porta, para nos jogar da janela como a uma Isabela, ou dar nossos pedaços aos cães, como a uma Eliza. Não é assim. Crimes atrozes sempre existiram, como não nos deixa mentir “Chico Picadinho” e “o bandido da Luz Vermelha”. Mas a exploração desses casos por estes “jornalistas” e seus programas é também hedionda. Não é Sônia Abrão?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O retrato de Dorian Gray


O RETRATO DE DORIAN GRAY – por Moacir Poconé

Há um excelente livro de um escritor irlandês chamado Oscar Wilde em que ele trata da beleza e dos infortúnios advindos da passagem do tempo. O livro chama-se O retrato de Dorian Gray.

Nesta obra, o personagem central que dá nome ao título é um rapaz muito belo, que chama a atenção de um pintor. Impressionado com a beleza do moço, o artista consegue convencê-lo a servir de modelo e faz uma pintura, um retrato em que imortalizará a beleza. Ao terminar e ver a perfeição estética, o pintor comenta que quem deveria envelhecer era o retrato e não o rapaz. Este deveria permanecer sempre belo e jovem, sem sofrer com as cicatrizes dadas pelo tempo. Na obra, isso acaba acontecendo: o jovem permanece com sua beleza intacta, mesmo com o passar de vários anos, enquanto o retrato acaba se modificando, como que absorvendo as mudanças que deveriam ocorrer com o rapaz. Óbvio que se trata de uma ficção. Infelizmente, na vida real não há a possibilidade disso acontecer. O tempo é implacável.

Lembrei-me dessa obra ao visitar um amigo nesses tempos de Copa do Mundo. Seu pai se encontrava muito doente, devido a uma dessas doenças que surgem ao passar dos anos. Meu amigo comentou sobre a preocupação da família e das restrições por que o pai passava. Enquanto ele conversava, o pai chegou de uma consulta médica e pude perceber a veracidade de suas palavras. O senhor estava com a saúde muito frágil, mal conseguia caminhar e falava com certa dificuldade. Conversamos um pouco enquanto assistíamos ao jogo. Na sala, um pouco acima da televisão, havia três retratos do senhor ainda jovem. Os três retratos mostravam um jovem belo, vigoroso, com trajes militares e uma esperança no olhar. Para o jovem, o tempo nada significava. Sua aparência representava a feliz ingenuidade que todos nós temos de achar que somos invencíveis e que nada pode nos destruir. Nem mesmo o tempo. Porém, somente os retratos permaneceram intactos. O jovem já não tem o vigor de outrora. Sofreu com o passar do tempo. Não existe no mundo real um Dorian Gray, que permaneça imutável ao longo de décadas. O tempo traz, junto com a experiência, marcas que vão se acumulando sobre os nossos corpos.

Só nos cabe, meros mortais, ter a consciência de que, infelizmente, é isso que acontece e que não haverá de ser de outra forma. Carpe diem, diziam os antigos. Aproveitem o dia. O tempo é fugaz e nossa vida não dura mais que um breve piscar de olhos. Os mesmos olhos que desafiam o futuro quando somos jovens devem ter a sabedoria de observar o presente e aproveitá-lo da melhor forma.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Cada time tem a torcida que merece



CADA TIME TEM A TORCIDA QUE MERECE – por Moacir Poconé

Eu realmente acreditava na Seleção Brasileira. Muito mais pelo seu retrospecto nas últimas competições do que pelo seu desempenho em campo. É verdade que havia jogos feios, sem brilho, mas o resultado invariavelmente era a vitória. Nada mais importava. Se havia cinco volantes no meio de campo e um atacante isolado na frente e ganhávamos por 1 a 0, pouco importava. O caminho era esse, presumia-se. O futebol mundial teria mudado e já não há espaço para o futebol arte, era o que alguns diziam. E as conquistas foram acontecendo dessa forma.

Porém, Copa do Mundo não é Copa das Confederações ou Copa América. Ganhamos essas competições, mas o torcedor nunca teve confiança no time de Dunga. No primeiro grande desafio, eis que fomos surpreendidos pelos holandeses, comandados por Robben. Toda a arrogância de nosso técnico, todas as estatísticas favoráveis, tudo, enfim, esvaía-se em parcos 45 minutos. Parecia algo irreal após o primeiro tempo vitorioso observar a comemoração dos holandeses ao fim do jogo. As imagens buscam torcedores brasileiros que parecem não acreditar no resultado da partida. Surgem rostos de espanto, de surpresa. Tristeza? Não.

Engraçado que senti muito mais as derrotas de 82 e 86. Não sei se pela pouca idade da época, mas quero acreditar que a tristeza vinha por saber que jogávamos bem, tínhamos um futebol bonito e não merecíamos perder. Principalmente em 82. Ainda hoje ao assistir as imagens daquele fatídico 3 a 2 a favor da Itália sinto um aperto no peito. Coisa que não senti hoje. Acho que a seleção está criando torcedores do mesmo modo com que joga: pragmáticos, lógicos, secos. Ao vermos as imagens da derrota não percebemos aquele sentimento da comoção nacional que já se viu em outros tempos. O torcedor brasileiro acompanha o ritmo de sua seleção. E o encanto já não se vê há algum tempo.

Caberá ao próximo treinador recuperar esse encanto pela seleção. Fazer com que o torcedor veja o futebol que sempre foi a marca registrada do time brasileiro. Não uma seleção conhecida pela forte defesa, mas sim uma equipe com jogadores de meio de campo talentosos e atacantes habilidosos. Certamente, a torcida brasileira (comigo, é claro) terá muito mais sentimento pela seleção, seja nas vitórias ou nas derrotas, amando ou odiando esse que é um dos maiores símbolos de nosso país.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Coisas fora




COISAS FORA – por Vicente Bezerra

“Eu hoje joguei tanta coisa fora
Eu vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora.
A casa fica bem melhor assim(...)” Tendo a Lua (Herbert Vianna; Tet Tillett)

Primeiro minhas desculpas aos nossos seis leitores, pelo atraso no post dessa semana: problemas particulares me impediram de escrever ontem. Segundo, desculpas também pelo tema de hoje ser pessoal, quase um diário na verdade, daí a linguagem leve e sem rodeios. Vamos lá então...

O trecho da música citada, dos Paralamas do Sucesso, cai como uma luva (cai? não deveria ser veste?). Por esses dias resolvi fazer uma “faxina” em gavetas e guarda-roupas, e também mudança dos móveis de lugar. Conversando com um amigo, falei-lhe do tédio que andava rondando e as mesmices da vida. Vejam bem, não falo de rotina, porque ela é necessária. Comer, trabalhar, percorrer os mesmos trajetos, é necessário no cotidiano. Ninguém vive uma vida com dias totalmente diferentes entre si, saltando de asa-delta em um dia, no outro escalando o Everest. Nem Donald Trump, com toda sua dinheirama. Tédio é quando falta prazer, fica chato, realizar as tarefas do dia a dia.

Bom, fiz a tal da “faxina”. Impressionante como guardamos coisas inúteis. Joguei fora várias caixas que guardava, para guardar coisas que ainda viriam a existir. Muitas dessas caixas já fazendo vários aniversários. E as contas? Aquela nota fiscal da saboneteira que você comprou em 1987 e acha que vai dar defeito pra ir reclamar no supermercado. Ou a conta que você pagou em 1991 e acha que a empresa vai te cobrar de alguma forma em 2034. Coisas inúteis mesmo.

Muitos bilhetes e anotações sem utilidade também foram jogadas fora. E à medida que ia lendo, e separando o que ainda guardaria do que iria ganhar o mundo dos mortos, alguns filmes (ou flashbacks) iam passando na mente. Bilhetes de ex-namoradas, fotografias e sentimentos que também estavam guardados reaparecem, mesmo que timidamente. O termo saudade, como um charme brasileiro de alguém sozinho a cismar, como bem diz Belchior.

Outro amigo meu, que há muito não vejo, e ligado nas coisas esotéricas me disse uma vez que as coisas velhas e sem necessidade que guardamos, acumulam energia negativa nas nossas casas e vidas. Juro que não pensei nisso quando fiz a arrumação, mas me senti muito mais leve mesmo. O sentimento de tédio mudou como os móveis que troquei de lugar. O espaço físico melhorou, como o espaço mental também, e sensação chata de “deja vu” desapareceu. A motivação para enfrentar a rotina se transformou em outra. É bom fazer isso de vez em quando, para nossa saúde mental e física também, afinal, ácaros, traças e aranhas perderão boa parte de seu habitat, construído por nós mesmos.

Enfim, a “limpeza geral” surtiu efeito. As coisas mudaram de lugar, o ânimo também. Coisas que não precisavam existir mais foram jogadas. Objetos sem utilidade guardados e esquecidos foram pro lixo. Se atraíam e armazenavam energia negativa ou não, não sei. Mas que me senti melhor, isso sim. Talvez meu amigo esteja certo.