sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Te cuida, Lobato!


TE CUIDA, LOBATO! - por Moacir Poconé

Monteiro Lobato é o maior escritor de literatura infantil que já houve no Brasil. Sua vasta obra divertiu e ainda hoje diverte as crianças e pessoas de todas as idades, que viram nos personagens do Sítio do Picapau Amarelo uma maior identificação com a cultura brasileira que as fadas e bruxas que povoam as histórias infantis européias.

Mas eis que no ano de 2010, nada menos que 62 anos após morte de Lobato, sua obra foi censurada pelo Ministério da Educação, acusada de ser preconceituosa e racista. A passagem que se destacou ocorreu com a personagem Tia Nastácia (chamada erroneamente de Anastácia na nota oficial) no livro Caçadas de Pedrinho. Lobato comparou a preta cozinheira a um macaco, no momento em que ela subia os galhos de árvores. Para a proibição não se levou em conta o contexto histórico e nem mesmo fato de que essa mesma comparação também foi feita com outros personagens, todos brancos.

A medida proibitiva causou tanta estranheza e teve uma repercussão tão negativa que foi logo revista pelo governo. Porém, é bom que o autor paulista coloque suas barbas de molho (se ainda as tem, é claro), pois certamente sua obra poderá ser alvo de outras representações. Senão, vejamos alguns exemplos:

- Em várias as histórias, Emília utiliza um pó que chama de pirlimpimpim para levar os seus amigos ao mundo da imaginação e da fantasia. Apologia às drogas?

- Pedrinho vive caçando animais na mata que cerca o Sítio. Com autorização do Ibama?

- A mesma Tia Nastácia vive fazendo quitutes que são logo devorados pelas crianças, certamente calóricos e nem um pouco saudáveis. Como ensinar uma boa alimentação às nossas crianças?

- Emília é uma boneca de pano. Visconde de Sabugosa, uma espiga de milho. Ambos falam e vivem como pessoas. Que loucura é essa?

- A Cuca aterroriza bebês desde a mais tenra idade (Dorme nenê que a Cuca vem pegar...). Crianças traumatizadas certamente serão adultos inseguros, confusos etc. etc. etc.

- O Saci só tem uma perna. Deveria ser tratado como um portador de necessidades especiais. Inexplicável a ausência de rampas na mata ou pontos de melhor acessibilidade para que o negrinho (epa!) possa se locomover.

- Por fim, a Dona Benta. É avó de Pedrinho e Narizinho. Mas onde estão os pais das crianças? Como ela consegue manter o Sítio do Picapau Amarelo? Qual sua fonte de renda? É viúva? Nada se sabe a respeito da velha senhora. Em tempos de prostituição infantil é bom não vacilar...

É. O Ministério da Educação tem razão. A obra de Monteiro Lobato é repleta de personagens que são um verdadeiro perigo às nossas crianças, pois representam o que a sociedade moderna chama de “politicamente incorretos”. Ainda bem que os técnicos de nosso governo perceberam a mensagem que se escondia nas histórias do Sítio do Picapau Amarelo e estão agindo para censurá-las. Te cuida, Lobato!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

De quem é esse jegue?


DE QUEM É ESSE JEGUE? – por Vicente Bezerra

Recebi por esses dias um email, promovendo uma abaixo-assinado (não consigo me livrar do hífen) contra maus tratos e atrocidades contra eqüinos, recheado de fotos em que os mesmos sofriam crueldades, desde serem “tocado fogo” (literalmente) a agüentar cargas enormes. Muito válido o email e interessante a causa. Mas, depois, recebi o mesmo email, já de outra pessoa, com o adendo para proibição de utilizar os animais para transporte de cargas, apenas de humanos e para prática de esportes. Válido? Não. Direi por quê.

Cavalo, jegue, mula, burro, jumento, jerico e semelhantes podem ser considerados os “melhores amigos do homem”. Não o cão. O cavalo (e seus parentes) trabalha para e com o seu dono. Estão presentes também no lazer. Os eqüinos foram os primeiros animais domesticados pelos humanos, para uso em trabalhos, caçadas etc. A importância deste ato é enorme e comparável ao fato do andarmos em pé. Não haveria evolução para o homo sapiens, sem a doma do cavalo. Toda a história da humanidade tem a figura eqüina como participante. Que nos diga Incitatus! Para ilustrar tal importância, existe a lenda de que, quando fugia para o Egito, Jesus ainda menino fora sentado num burrico. Desde então tais animais ostentam a marca do que seria o suor de Jesus quando montou o jumento. Aonde quero chegar? Continue lendo.

Lógico que sei que os abaixo-assinados dos emails têm pouquíssima chance de prosperar. É uma espécie de corrente que mobiliza, mas pouco produz. Mas, suponhamos que desse resultado, principalmente o segundo. É aonde quero chegar. Conseguindo-se a proibição de utilizar os eqüinos para cargas, estaremos contribuindo para a extinção dos mesmos, que serão vistos apenas nas altas rodas, nos haras, nas partidas de pólo, na equitação dos bacanas.

Exagero? Não. O Nordeste do Brasil, e acredito que em boa parte do interior do país, sofre de um problema, aparentemente surreal: a extinção dos jegues e congêneres (burro, jumento, jerico). Esses animais estão deixando de ser usados em transporte, carroças e até mesmo para cargas, sendo trocados por motocicletas. As facilidades de compra, o aumento de poder aquisitivo e a rapidez que uma moto proporciona, estão fazendo com que grande parte da zona rural deixe de usar os citados eqüinos, que são abandonados à sorte, sacrificados ou ainda pior, sem procriarem (não falo da mula, porque esta não reproduz mesmo). O número da população de jegues e afins diminui a olhos vistos.

Esse é o ponto onde quero chegar. Deixar de utilizar o nosso amigo cavalo e seus parentes, é vaticinar sua extinção (falei em vaticinar, lembrei de Vaticano. Alguém lembra o nome do jegue que deram pra João Paulo II ?).

Claro que tanto o email como o texto e minha preocupação é carregada demais (pra não dizer que é maluquice). Mas o caso que citei do nordeste, é verdadeiro. Montem suas ONGs, adote um jumento pra chamar de seu.

Gostaria de dedicar esse texto, com carinho e respeito, a Diogo Mainardi e ao et Bilu.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ninguém nos vence em vibração


NINGUÉM NOS VENCE EM VIBRAÇÃO - por Vicente Bezerra


O hino do E.C. Bahia, recém subido à primeira divisão do futebol brasileiro, diz: “...Somos do povo, o clamor. Ninguém nos vence em vibração...”. É uma bela frase, de um belo hino, que resume o sentimento que toma conta da torcida baiana e os milhares de simpatizantes por todo o país.

Nada de “até a pé nós iremos” (e, por mim, depois da entregada do título para os urubulinos, iriam a pé pra casa do baralho). O clamor do povo era a volta do Baêa, como pronunciado pelos baianos. E em vibração, realmente a torcida tricolor é ímpar. O Bahia é um dos poucos times no Brasil que fazem maioria quando joga em casa, contra qualquer outro time do país. E isso enche os olhos da imprensa esportiva.

A imprensa sulista tornou-se uma aliada. Estádios cheios e torcida apaixonada é muito mais bonito de se mostrar do que as baratas em qualquer jogo do Engenhão (ou enche-não). Não falarei dos jogos do Grêmio cigano (Barueri, Prudente, Ohio, Massachussets) porque aí é covardia. Um estádio cheio é mais renda, mais visibilidade para patrocinadores. É um aumento de mercado consumidor. Merchan, ops, Milton Neves que o diga. Milton foi um dos cronistas mais presentes na mídia, elevando o nome do tricolor da boa terra e tirando brincadeiras com o atual maior rival do Bahia. Tanto que deverá ser homenageado.

E aqui vale um parêntese: o maior rival local do Esquadrão até início da década de 80 era o Ypiranga, o terceiro time de todo baiano, uma espécie de América-RJ. Mesmo sendo mais antigo, o rubro-negro baiano, somente na década de 90, conseguiu superar o Ypiranga em títulos baianos. Ainda assim, está a quilômetros do tricolor.

Foram sete longos anos longe da elite. Muitas crises, decepções, retratos de um falta de estrutura que havia no Bahia, e que está começando a ser remontada. Uma boa base foi formada e alguns jogadores do time principal são frutos disso. A estrutura administrativa, capitaneada pelo experiente Paulo Angioni, e a técnica, com técnico experiente, rodado e testado, como Márcio Araújo, foram igualmente importantes para a subida.

Mais que uma homenagem ao estado, ao time, a subida é uma homenagem aos nomes que já honraram a camisa do tricolor bi-campeão brasileiro: Baiaco, Biriba, Marito, Osni, Zanata, Pereira, Paulo Róbson, Wesley, Raudinei, Claudir, Paulo Rodrigues, Osmar, Douglas, Beijoca, Dendê, Dada, Cláudio Adão, Ronaldo, Rodolfo Rodrigues, Émerson, Zé Carlos, Charles e Bobô.

“Mais um, mais um Bahia. Mais um, mais um título de glória”. Com a bênção do Senhor do Bonfim.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Segunda sem lei - Futebol nordestino: vamos fortalecer


FUTEBOL NORDESTINO: VAMOS FORTALECER - por Elísio Cristóvão*

Depois de escrever sobre música e seriado infantil (hehehe), tá na hora de falar sério. Falar sobre o que a maioria dos homens gostam, Futebol. Sim. Futebol com letra maiúscula, para demonstrar a grandeza desse esporte. Como bom nordestino que sou parei e pensei... Por que o futebol nordestino não vai mais pra frente? Temos na série A apenas dois clubes, o Ceará que anda mais ou menos e o Vitória que anda mais pra menos.

No Nordeste temos nove estados, em cada Estado no mínimo dois clubes de nome. Citemos alguns: America de Natal, ABC de Natal, Ceará, Fortaleza, Sport, Náutico, Santa Cruz, ASA de Arapiraca, CSA, CRB, Campinense, Bahia, Vitória, Confiança, Sergipe, entre outros que agora me falta a memória. Dentre esses citados, muitos já estiveram na Série A, mas aí vem a pergunta. Por que não estão mais lá ou porque lutam para não descer para Séries C e D? O Nordeste detém três títulos brasileiros um com o Sport (que me perdoem os flamenguistas) e dois com o grande Esquadrão de Aço o Bahia, que foi o primeiro campeão brasileiro da história.

Na minha humilde opinião, existem diferentes respostas. Uma delas é falta de planejamento desses clubes. Não existe um planejamento a longo prazo, com apoio as divisões de base, CT de treinamento, salários justos. Outra resposta está diretamente relacionada com a anterior, que é a falta de apoio das grandes empresas nacionais (incluindo principalmente as do Nordeste), pois sem dinheiro a engrenagem não roda. Outra resposta é a torcida em si, pare um momento e se pergunte: Pra que time eu torço? Garanto que não é do Nordeste. Estou falando em torcer mesmo, assistir aos jogos, comprar camisa, falar mal dos adversários (hehehe). Um exemplo é nosso presidente, que é Nordestino e torce pelo Corinthinas(acho que para angariar mais votos, porque ele era vascaíno), até este autor que aqui vos escreve torce “também” para um time que não é nordestino. Imagine o que seria da torcida do Flamengo, Corinthians, Vasco e demais clubes sulistas se os nordestinos torcessem somente para clubes nordestinos. Quanto não iria diminuir o número de torcedores. Quando você compra uma camisa do seu clube, isso vira em dinheiro para o clube, quando você vai ao estádio a renda se transforma em dinheiro para seu clube. Um grande exemplo é o Bahia, o Ceará e o Sport. Quando um time desses do sul jogam aqui no Nordeste a maior parte da torcida é dos clubes nordestinos. Na época que o Bahia esteve na série C, teve o maior publico entre todas as divisões (que torcida linda). Isso não ocorre com outros clubes daqui do Nordeste. E se ocorresse? Não seria maravilhoso?

Imagine um campeonato brasileiro com muitos clubes nordestinos, como seria bom para nossa região que é tão pobre e discriminada no sul do país. Imagine um campeonato da série A com cinco ou mais clubes daqui. Ano que vem provavelmente o Nordeste terá três clubes na série A, isso se o Bahia realmente subir (se já não tiver subido no dia da publicação deste texto) e se o Vitória não cair. Eu realmente estou vestindo agora a camisa do meu clube nordestino, sou Esquadrão de Aço (já deu pra perceber não é?) de sangue e coração e espero que com este texto consiga fazer você acreditar mais no teu time do nordeste. Esteja ele onde estiver. Vamos fortalecer nosso Estado, nossa região.

*Elisio Cristovão é bacharel em Eng. Ambiental e atualmente cursa Mestrado em Ciência e Engenharia dos Materiais. É também guitarrista da 1ª banda de Heavy Metal de Lagarto, a "STTONEHENGE".

Os textos da "Segunda sem lei" são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião dos criadores deste blog.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Os bons velhinhos


OS BONS VELHINHOS – por Vicente Bezerra

Paul McCartney está no Brasil para três shows, e os ingressos esgotaram em poucas horas. Paul movimenta gerações, pessoas dos 7 aos 70, por onde passa. Por que isso? A resposta é qualidade. Há muito já passou a beatlemania, mas a música resiste. Lady Gaga, Justin Bieber e Jonas Brothers podem vender milhões, mas daqui a cinco anos ninguém lembrará direito quem foram. Ou alguém sabe qual o último sucesso de Britney Spears? Se formos falar em Rock então, o ritmo na atualidade depende de bandas pouco inspiradas como Mars Volta, Kaise Chiefs, Arcade Fire entre outros que não merecem nota.

Embalados pela qualidade e longevidade, 2010 tem sido um ano abundante de sessentões mostrando o que sabem fazer e bem: boa música. E o chamado Classic Rock tem dado show nisso, literalmente.

A voz rouca de Bob Dylan deu o pontapé inicial do ano com Toghether Through Life. Fez o mesmo disco que faz desde que entrou nos anos 2000. E daí? É bom como os outros e mostra que o bardo existirá enquanto tiver voz. Bom para nós.

A voz e a guitarra dos Dire Straits, Mark Knopfler veio com o seu Get Lucky. Não espere a mesma pegada dos Straits. Knopfler ainda toca divinamente sua guitarra, porém com mais calma, passeando pelo folk, blues e country. Mas não deixa de ser um ótimo disco. Bom para se ouvir para relaxar.

Bruce Springsteen lançou Working On A Dream, um album delicioso. Sua voz rouca e potente, e sua banda competente, fazem um excelente disco que já nasce clássico. Os anos 2000 tem sido muito bons para Bruce e seu rock calmo, mas questionador.

Ian Gillan, a voz do Deep Purple, deixou o peso de lado no seu One Eye to Morocco e inspirado no país do título (Marrocos) fez um disco swingado, com pitadas de Hard Rock. Uma boa surpresa para os fãs. Tirando o pé do peso também, o ex-Led Zeppelin, Robert Plant enfiou o pé no folk e cometeu um ótimo disco, batizado de Band Of Joy. Para momentos de reflexão.

Para dirigir cantando e com um sorriso besta no rosto, nada melhor que um ex-beatle. Ringo Star com o seu Y Not faz o disco de sempre, alegre, animado, cheio de convidados e com sua bateria marcante. Difícil não se render. Por falar em baterista (?!), Phil Collins deixou os problemas de audição de lado e lançou o ótimo Going Back, com músicas que lhe fizeram a cabeça na juventude. Destaque para a belíssima versão da música que dá título ao cd, original dos Byrds.

O texano Tom Petty e seu inconfundível sotaque resolveu voltar com os Heartbreakers e lançou Mojo. Claro que é Coutry Rock e dos bons. Tom, sempre com seus refrões marcantes, faz a música grudar no seu ouvido e fazer você não ter vergonha de ouvir Country. Vale muito a pena.

Entrando no Blues Rock, tem-se que falar na voz de Woodstock. Joe Cocker nessa década tem gravado discos belíssimos, de alto nível, sendo impossível apontar qual melhor. E mantendo o nível, lançou este ano Hard Knocks. Obrigatório. Ainda no Blues, todos sabemos que Deus toca guitarra. E Eric Clapton também lançou o seu esse ano, homônimo. Clapton fez o seu disco de blues de sempre, sendo este meio morno e pouca ousadia na guitarra, peculiaridade sua. Quem liga? É Deus na atividade!

Pesando as guitarras e a bateria, o Scorpions lançou seu último disco, Sting In The Tail. Não é o último, de mais recente, é de derradeiro mesmo. Os alemães anunciaram a aposentadoria e estão em turnê de despedida. E o seu disco está à altura de sua vitoriosa carreira, com as indefectíveis baladas, marca registrada. Recomendado para viagem e alta velocidade!

E o melhor disco de rock veterano de 2010 vai para Neil Diamond, com Dreams. O setentão abusou do violão e de sua voz firme, apesar da idade, e fez um álbum fabuloso, tocante e sincero. Resolveu gravar alguns dos seus hits na voz dos outros (I´m a Believer, sucesso com os Monkees e conhecida aqui como Não Acredito, na voz de Lulu Santos), e alguns covers certeiros como Blackbird, Let it Be Me e a religiosa, porém linda, Hallellujah.

Os velhinhos estão aí, botando pra quebrar e mostrando que música de qualidade resiste ao tempo, assim como músicos também. Estão na atividade, tanto pela alta qualidade de seus trabalhos, como pela ausência de novos nomes. “Nossos ídolos ainda são os mesmos” como dizia Belchior. Ou, “panela velha é que faz comida boa”, não é Sergio Reis?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A viagem sem volta


A VIAGEM SEM VOLTA - por Moacir Poconé

Parece coisa de ficção científica, mas é uma realidade cada dia mais próxima. Cientistas falam com frequência em viagens tripuladas a Marte, com o objetivo de preparar o terreno para o surgimento de uma nova civilização. Surgirão os humanos-marcianos, ou seja, chegará o momento em que os seres humanos não só viverão como nascerão no chamado Planeta Vermelho.

O mais curioso é que, num primeiro momento, especula-se que dois seres humanos serão enviados a Marte numa
viagem só de ida. Isso mesmo. Como a distância é longa e os custos são altos, dois nobres voluntários partiriam numa missão cientes de que morreriam em solo marciano. Calcula-se que viveriam por cerca de dez anos, devido às condições naturais daquele planeta. Seriam loucos ou heróis? Somente o tempo dirá. O fato nos causa estranheza, mas algo similar ou até mesmo pior aconteceu no tempo das Grandes Navegações. Imaginemos homens em barcos enormes, com pouquíssimas condições de sobrevivência, avançando pelos mares sem ao menos saber o que encontrariam. Meses e meses vendo apenas água por todos os lados, verdadeiras ilhas de coragem e de medo. Contradição? Não. Coragem no sentido de buscar novas terras. Medo por lidar com o desconhecido. Acreditava-se que o mundo tinha um fim, que havia monstros marítimos e a quase certeza de que muitos jamais retornariam a suas casas.

Nessa comparação, a viagem dos exploradores de Marte será bem mais tranquila. Toda a tecnologia conseguida nesse intervalo de mais de cinco séculos certamente será utilizada para que não ocorram surpresas. Não haverá sobressaltos. Talvez isso mesmo cause desconforto aos que ficam. Como podem seres humanos com famílias, lares, abandonarem tudo em prol de uma missão sem volta? No caso dos navegantes, havia uma possibilidade. Embora remota, embora quase nula, mulheres, filhos aguardavam numa espera silenciosa e às vezes infinita. Os entes queridos dos que irão a Marte não terão qualquer dúvida: eles não voltarão. Será uma espécie de suicídio com um objetivo digno do fato: fazer surgir um lugar que abrigue os humanos após o colapso (que parece inevitável) da Terra. Sem dúvida, uma missão de alto apelo humanístico, ainda que seja incompreensível para a maioria de nós.

Assim caminha a humanidade e é por isso que ela nunca acabará. Seu instinto de sobrevivência e capacidade de adaptação aliados ao nível tecnológico que alcançou são ferramentas que farão com que o homem seja eterno. Foi assim há quinhentos anos. Será assim por muitos séculos. E para sempre o homem guiará ele mesmo o seu destino. Esteja onde ele estiver. Viva onde ele viver.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Antes dos outros, havia Emerson


ANTES DOS OUTROS, HAVIA EMERSON – por Vicente Bezerra

Antes, tudo eram as trevas. Eis que se fez a luz! Antes dos outros, havia Emerson. Emerson Fittipaldi.

O brasileiro realmente tem memória curta. E os meios de comunicação fazem questão que isso se perpetue. Essa semana, Emerson Fittipaldi completou 40 anos de sua primeira vitória na F1. Tal ocasião foi comemorada com uma volta na sua eterna Lotus pelas ruas de São Paulo. Muito pouco para quem merece mais.

Nosso primeiro grande piloto é bicampeão mundial, títulos conquistados em 72 e 74. Títulos estes conquistados em um tempo em que o braço falava mais alto que a tecnologia do motor. Era o piloto o diferencial, não o carro. Hoje em dia, o termo “circo da F1” deixou de significar a vida nômade e a montagem e desmontagem das parafernálias do esporte. Hoje, significa um forte interesse financeiro e publicitário, jogadas de bastidores, equipes definindo quem deve vencer. De “circo”, restam só os palhaços, que somos nós. Saudades dos tempos de Fittipaldi, Lauda, Piquet, Mansel, Prost e Senna (Schumacher já faz parte do novo circo).

Deixando o desabafo de lado, é bom lembrar que Emerson foi bicampeão, quando não era muito comum um só piloto obter vários títulos. Emerson brilhava em meio a uma constelação de pilotos habilidosos, competentes, não mero coadjuvantes como os muitos que habitam a F1 de hoje. Jean-Pierre Beltoise, James Hunt e Niki Lauda, só pra citar alguns mestres do volante da época. O talento valia mais.

Mas Emerson não parou por aí. Fittipaldi (ou o “Rato” como foi apelidado) entrou no fechadíssimo círculo da Fórmula Indy, quando era difícil a participação de estrangeiros, principalmente latino-americanos. Emerson foi campeão na Indy e deixou sua marca vencendo por duas vezes a corrida mais importante da categoria: as 500 milhas de Indianápolis, que curiosamente oferta leite para os vencedores brindarem, não champagne.

O “Rato” também foi ousado. Foi além de piloto, manager de uma equipe de F1 totalmente brasileira, a Copersucar, já nos seus últimos anos na categoria.

A imprensa esportiva, quando fala em F1, dá imenso destaque para Ayrton Senna e seus feitos. Não que Ayrton não seja merecedor, muito pelo contrário. Senna foi um dos maiores. Mas o crédito deve ser dado aos demais. Nos últimos anos se falou muito em Massa e Barrichello, que estão um degrau acima de Gugelmim e Pupo Moreno, igualados a Carlos Pace (o “mouco”), talvez. Na constelação dos maiores pilotos, não se pode ofuscar o brilho de um Nelson Piquet, e do que abriu as portas para os demais, e foi (é) um dos grandes: Emerson Fittipaldi.

Toquem o tema da vitória para Emerson. Ele é digno da homenagem.