sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Pausa na Zumbilândia



De repente, não mais que de repente, as pessoas desviaram o olhar fixo da tela que há muito as hipnotizava e passaram a ver a seu redor. Tudo era muito estranho, aquelas pessoas, aqueles lugares e uma ação que parecia esquecida precisou ser feita novamente: conversar olhando nos olhos do outro. E foi tudo uma grande novidade.

Pais e filhos se conhecendo dentro de suas próprias casas. Marido e mulher voltando a trocar carícias como nos tempos de namoro. Namorados aprendendo a namorar fisicamente. Amigos se reencontrando para um jantar. Alunos voltando o olhar ao professor. Motoristas com mais atenção no trânsito. Hospitais com menos atendimentos a fazer causados por acidentes. Cinemas novamente escuros sem centenas de luzes individuais acesas. Público de shows e peças teatrais atentos ao espetáculo. Uma overdose, enfim, de atenção percorreu por todo aquele lugar, causando inicialmente um rebuliço medonho para, em seguida, trazer a calmaria própria do ser humano, sem a pressa que a tecnologia e seus mecanismos instantâneos produzem. Um momento, enfim, de descobertas e de desafios.

Claro que nem tudo foi perfeito. Pessoas entraram em depressão, quase que ao mesmo tempo em que ocorreu a mudança. Os dedos, ávidos por teclar, faziam movimentos involuntários, tal qual a personagem Carlitos no filme Tempos Modernos. Uma síndrome de abstinência se abateu sobre milhares de pessoas, fazendo surgir os zumbis dos zumbis. Não sabiam o que fazer da vida sem aquele aplicativo de símbolo verde que praticamente os guiava, desde o acordar até o adormecer, ininterruptamente. Um vício semelhante ao causado pelo uso de entorpecentes. O sofrimento foi grande, mas teve um fim.


Ao fim de dois míseros dias (que para muitos foi uma eternidade), tudo voltou ao seu normal. A hipnose coletiva se fez novamente e toda a desatenção tornou a se instalar na sociedade daquele lugar. Pessoas com seus aparelhos nas mãos e olhares vidrados nas telas. E o que havia de humano, seria apenas uma vaga lembrança na Zumbilândia. Até o dia em que, sem outra saída, foram proibidos os próprios celulares. Mas aí já é outra história.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Mar de lama


Se as pessoas, de modo geral, evitam a política por achar o assunto chato e já terem o conceito previamente definido de que "todo político é ladrão", nessa última semana ganharam ainda mais argumentos que comprovam esses dois pensamentos.

Foi uma verdadeira avalanche de acontecimentos que transformou a classe política brasileira num lamaçal semelhante ao que chocou o Brasil e o Mundo com o rompimento da barragem de Mariana, no Estado de Minas Gerais. Um mar de lama que deixou a todos atônitos, tamanha a sua força e os efeitos que produz. Isso em diversos níveis, notadamente Estadual e Federal. Ninguém parece estar ileso dos efeitos dessa correnteza, que vai levando quem encontra pela frente, numa força desmedida tal qual a que vimos na tragédia mineira.

E nesse lodaçal encontramos Senador da República sendo preso após planejar fuga de investigado pela Justiça, Deputados Federais e Deputados Estaduais cassados pelo escândalo das subvenções e, finalmente, um Presidente da Câmara dos Deputados que, após a comprovação de uma série de crimes por ele praticados ainda permanece no cargo e consegue a proeza de chantagear a Presidente da República. Parece que chegamos definitivamente ao refrão da música do sambista Bezerra da Silva: "Se gritar ´Pega ladrão!´, não fica um meu irmão".


O cenário, seja em Mariana, seja nas Casas Legislativas, é desolador. A solução parece estar muito distante, ou mesmo impossível. Mas se espera que a natureza, no caso mineiro, seja capaz com sua força de reestabelecer o meio ambiente. Da mesma forma que, no âmbito da política, o povo brasileiro saiba como "limpar" de nossa sociedade esses detritos que estão agora expostos. O trabalho, em ambos os casos, é extremamente árduo. Porém, temos que acreditar que de todas essas tragédias, algo de bom apareça e transforme esse mar de lama em águas límpidas, como bem merece o povo brasileiro.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Qual a pior tragédia?





"Miséria é miséria em qualquer canto
Riquezas são diferentes"

Titãs

Causaram espanto e tristeza os atentados ocorridos na última sexta-feira na cidade de Paris, uma das cidades mais representativas da cultura ocidental. As cenas chocantes veiculadas pela tv e pela internet e o número de mortos mostraram, ao mesmo tempo, a fragilidade em que as pessoas se encontram e o avanço dos terroristas pelo mundo. Logo a comoção se espalhou pelas redes sociais, com manifestações de apoio aos franceses e, obviamente, a mídia passou a abordar e explicar como tal tragédia acontecera, dedicando horas ao caso. Nada mais natural.

Eis que logo surgem nas mesmas redes sociais pessoas indignadas, compartilhando textos, imagens, charges, comparando o ataque terrorista na França a outras tragédias ocorridas aqui no Brasil. Questionam por que os brasileiros se mostram tão abatidos e solidários e por que a mídia dá tanta ênfase ao lamentável evento. O recente rompimento da barragem em Mariana (MG) é o mais escolhido para essas comparações. Mas há também outros momentos trágicos lembrados, como o incêndio na boate Kiss. Junto à imagem do terrorista Osama Bin Laden com as cores da bandeira francesa, o texto diz: "Você sabia? Que mais de 200 pessoas morreram na boate Kiss e ninguém de Paris ficou de luto (sic)". Outros ainda comentam sobre a pobreza no Brasil, as pessoas que morrem na fila do SUS sem atendimento, a corrupção generalizada, querendo dizer que são tragédias maiores que a francesa e que fazem parte do nosso dia a dia e ninguém se importa. Ressalte-se que todos os exemplos citados foram ou são devidamente abordados pela imprensa, até porque eram também notícia e é disso que os meios de comunicação sobrevivem.

Parafraseando a música "Miséria" do grupo paulista Titãs, podemos dizer que "Tragédia é tragédia em qualquer canto". Qual a necessidade de se ficar debatendo qual terrível acontecimento foi pior ou melhor que o outro se ambos foram terríveis para milhares de pessoas, sejam elas brasileiras, francesas, sírias ou tailandesas? O foco deveria ser outro, que se apresenta muito mais perigoso e sério do que comparações mesquinhas entre Mariana e Paris. Compreender cada situação e sua devida importância. Dar o valor a cada problema, analisando os seus desdobramentos e consequências, que, infelizmente, não parecem nada agradáveis. Seja no Brasil ou na França.

domingo, 15 de novembro de 2015

O martírio do Enem




Ao longo de duas décadas trabalhando com turmas pré-universitárias, posso afirmar sem medo: ainda não criaram nada melhor para o estudante chegar ao nível superior que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Ainda assim, a participação de um jovem nessa seleção se torna um verdadeiro martírio.

O nome "martírio" expressa bem o que passa por esses adolescentes todos os anos. O dicionário registra "grande aflição, grande sofrimento" como alguns dos significados desse termo que vai além da conotação religiosa. E é justamente isso que sentimos ao vermos como ficam os estudantes às vésperas, durante e após a realização das provas. Que estão passando por uma agonia desmedida. Óbvio que generalizamos. E o mais curioso é que, normalmente, aqueles que mais se dedicam são os que mais sofrem, certamente por suas próprias cobranças ou ainda por exigência dos pais ou amigos. A ansiedade é visível e o aspecto psicológico passa a ter um valor às vezes até maior que o aspecto pedagógico. Relatos de "branco", mal-estar, dor de cabeça e até desmaios são incrivelmente comuns nesse momento. A concentração e a calma, tão necessárias para uma boa realização de prova, ficam distantes quando mais se necessitava delas.

Por isso, tornam-se comuns perguntas se repetem todos os anos. "O que fazer um dia antes da prova?", "O que fazer durante a prova?". A busca por profissionais da psicologia e técnicas de relaxamento também se intensifica. Tudo isso é válido, sem dúvida. Mas é preciso perceber que tantas discussões a respeito desses procedimentos só existem por causa das cobranças que, conscientemente ou não, os jovens são bombardeados nesse momento. O fato de existir uma prova que irá decidir o futuro profissional da pessoa apresenta-se como um enorme peso. E as dezenas de anos escolares findam naquele fim de semana da realização das provas. É muita carga emocional envolvida. E ainda após a prova temos outro martírio: o da espera. A ânsia pelas notas e finalmente pela lista de aprovados, divulgadas cerca de dois meses após a realização do concurso. Mais sofrimento, mais angústia.

Certamente, não haverá uma solução simples para quem se esforça e se dedica para prestar o Enem. A ansiedade fará parte de sua rotina, assim como devem fazer os estudos diários. O que se deve buscar é justamente uma relação de apoio, de suporte e não de cobrança, para fazer com que esse caminho árduo se torne um pouco menos penoso. Pais, mestres e amigos são peça fundamental nesse processo que não deve ser visto como um fim em si, mas um meio para novas conquistas.

Ser lagartense







Discurso proferido quando do recebimento do título de Cidadão Lagartense.



Bom dia, senhora presidente Marta Maria de Carvalho Nascimento
Bom dia senhores vereadores
Bom dia a todos os presentes


Gostaria inicialmente de saudar o vereador José Claudio Carvalho da Silva por me proporcionar essa demasiada alegria de estar aqui perante vocês, nesse momento de muita honra e alegria, recebendo o título de cidadão lagartense. Desde já, saibam que tudo aquilo que sou hoje, seja no aspecto pessoal ou profissional, dedico especialmente a meu pai, José Carlos Lessa Poconé e a minha mãe, Vera Lúcia Alves Poconé, que me formaram e me guiaram pelos caminhos tortuosos dessa jornada a que chamamos vida. Eles são os principais responsáveis de hoje eu estar aqui recebendo tão importante homenagem.


Desde a última sexta-feira, ao informar que hoje receberia essa tão valiosa honraria que sou contemplado com as mais sinceras e elogiosas frases de amigos nas redes sociais. Em verdade, hoje vejo como uma culminância de uma semana em que fui, certamente muito mais que deveria, saudado como um novo lagartense. E das manifestações que recebi com muito carinho, as de que mais gostei, sem dúvida, foram das pessoas que se mostraram surpresas por acharem que efetivamente eu teria nascido aqui, em Lagarto. Isso mostra como para todos, inclusive para mim mesmo, Lagarto já se encontra há muito tempo como parte integrante de mim. Terra que me emociona por seus vultos históricos, por sua gente cordial e por sua vontade de crescimento. Terra de gente que não se contenta com pouco, que quer mais porque sabe que merece mais. Porque é gente de bem, gente de força. Gente que não merece nada mais do que a prosperidade, porque é isso que lhes é devido.


Aqui me sinto verdadeiramente em casa. No meu lugar. No lugar que em 1980 meu pai, o Poconé do Banco do Brasil que muitos aqui devem ter conhecido, veio com a família por estar mais próximo da capital e que aqui acabou ficando por 12 anos. Terra onde passei, portanto, toda minha infância, dos 4 aos 16 anos. Tempo da pipoca de seu Menino, do pastel e do caldo de cana, do sorvete de flocos da Tri-Sabor, dos filmes de caratê às segundas-feiras no Cine Glória, do Papai Noel da Casa Oriente e também o do Armarinho Júnior, do jogo de time de botão com os amigos, do futebol às cinco da manhã na quadra, das primeiras idas à festa da exposição, tantas lembranças de um tempo que não volta mais e que por isso se tornou perfeito.


Tendo saído em 1992 para morar e estudar em Aracaju, posso dizer sem hipocrisia que senti muita falta de Lagarto. Mas sem jamais esquecer daqui, pois como bem disse o escritor moçambicano Mia Couto: "O importante não é a casa onde moramos, mas onde, em nós, a casa mora." E eu sabia a todo instante que a minha casa era Lagarto, pois sempre a trouxe com muito carinho dentro do meu ser, mesmo estando distante. Sempre foi a referência para mim do que chamamos de "terra natal", o que sempre provocou muita saudade. Saudade do clima, da terra, da gente. Saudade. Como no dizer do grande escritor Rubem Alves: "A saudade é a nossa alma dizendo pra onde ela quer voltar". E foi exatamente isso que aconteceu. Voltar a Lagarto. Se a tristeza da saída foi grande, a alegria da volta foi bem maior. E eis que em 2004, num misto de armadilha do destino e de vontade inconsciente, retornei a minha terra, a Lagarto, dessa vez já como servidor do Tribunal de Justiça. Como Escrivão de Justiça, sempre buscando atender bem às partes e advogados que diariamente comparecem à 1ª. Vara Cível.


E aqui mesmo, no lugar em que mais aprendi na vida, especialmente no Centro Educacional Nossa Senhora da Salete da saudosa d. Adelina, voltei a lecionar, uma das paixões da minha vida. E das salas de aula de cursinhos para vestibular, cheguei ao Colégio José Augusto Vieira, onde estou há quase 10 anos e aos cursinhos para concurso e vestibulares, até hoje ser professor e coordenador do Mega Curso, um sonho realizado nesse ano. E do espaço físico da sala de aula, alcancei o virtual graças aos convites do amigo Laelson Correia do site Lagartense e mais recentemente do amigo Alexandre Fontes do site Lagarto Notícias, como também ao amigo Aloísio Andrade, com participações na Juventude FM, com os programas "Não tenha medo do português" e "Não tenha medo do Enem", ligados à área da educação.


Hoje sou saudado da forma que mais me alegra e me satisfaz. "Professor", dizem as pessoas por onde passo. São alunos, pais de alunos, ouvintes do rádio ou leitores de sites que me saúdam dessa forma e a quem respondo sempre com muita alegria. Porque ser professor está além de ser um mero transmissor de informação. Professor é o mestre, palavra que vem do latim magister que significa "o que guia, o que conduz". Professor é o educador do latim educator que significa "o que cria, o que nutre". E é isso sinceramente que busco em minhas participações seja na sala de aula ou nos demais ambientes: guiar, conduzir, nutrir a busca pelo conhecimento. Pelo reconhecimento, pareço estar alcançando esses meus objetivos. Quisera eu que todos os colegas professores tivessem esse mesmo reconhecimento por parte da sociedade brasileira. Mas esse tempo haverá de chegar, espero.


E aqui estou eu. Morador do bairro Loiola, com minha esposa Elisângela, amor da minha vida, criando minhas filhas Sofia e Cecília, meus tesouros que a vida me deu, na cidade que amo. Seguindo os passos do velho Poconé. Não tenho parentes aqui. Mas posso dizer que é aqui o lugar onde reside a maioria dos meus amigos. Amigos de infância, alguns aqui presentes. Amigos de um tempo mais recente, também aqui presentes. E tantos outros que não puderam comparecer. Aqui é a minha terra. O lugar que se me perguntam de onde sou, digo com grande honra: sou de Lagarto. Sempre respondi assim. Porque esse era o fato. E hoje, nesse momento de grande alegria, recebo a dádiva de também poder dizer, de direito: sou lagartense. Com muita honra. Muito obrigado.

Pedido negado





Próximo ao fim de sua batalha contra o câncer, da qual, infelizmente saiu perdedor , o governador Marcelo Déda retornou a Aracaju para sancionar o projeto que autorizou o Proinveste, empréstimo que chegou ao montante de R$ 567 milhões e que permitiu a realização de diversas obras por todo o Estado, inclusive do Mercado de Lagarto. Ainda hoje, comove a quem ouve o discurso do governador no ato cima referido. Sempre usando sua veia poética, disse a frase já histórica "A maior dor é não colher o sorriso dos sergipanos. Quando vocês forem colher o sorriso dos sergipanos,lembrem de mim".

Passados quase dois anos de sua morte, o pedido que Marcelo Déda acaba de ser negado em Lagarto. Sorrisos pela conclusão das obras do Mercado estão prestes a serem colhidos, mas lamentavelmente, o governador que tanto lutou para que isso acontecesse não será lembrado. Isso porque foi aprovado na Câmara de Vereadores o nome de José Correa Sobrinho para batizar a nova obra, deixando de lado uma homenagem que parecia justa e certa. Ressalte-se aqui, com grande ênfase, que não há nada em desfavor ao nome do emérito comerciante lagartense. Ao contrário. Pessoa de reputação ilibada, sem dúvida merece não só essa, mas tantas outras homenagens, pelo que fez para o comércio de nossa cidade. O problema é que o Mercado de Lagarto já tinha nome antes de ser concluído. Já tinha nome antes até de ser batizado. Todos já davam por certo, pela clareza dos fatos,de que seria Governador Marcelo Déda.

A mudança que agora se estabelece, aparentemente contra a vontade popular, evidencia-se ter sido determinada muito mais por fatores políticos do que pela beleza que é prestar reverência a quem merece. Não se viu, em nenhum momento,a discussão de um ou outro nome e a aprovação foi feita de maneira estranhamente rápida, o que só provoca mais dúvidas sobre como foi conduzido esse processo. Ao fim das contas, só devemos lamentar. Poderia ser um momento de festa, de júbilo. A concretização de um sonho para toda a região, coroada pela homenagem do nome. Tornou-se polêmica, mesquinharia. Uma pena que os nomes de dois tão ilustres homens estejam sendo tratados dessa forma, muito menor do que a gigantesca contribuição que ambos deram à nossa cidade.