sábado, 28 de maio de 2016

Múltiplos estrupros




Os trinta e três estupros sofridos por uma menor no Rio de Janeiro e que repercutiram em todo o mundo foram pouco para o que está ocorrendo nas redes sociais. Na verdade, são muito mais que isso. São múltiplos, milhares, talvez milhões. Porque a repercussão do fato e, principalmente, os vídeos e fotos da menor são uma violência tanto ou até pior que a dor física que ela certamente sentiu.

Trata-se de uma eternização de um momento grotesco e condenado por aqueles que têm ainda o mínimo de decência. E aí temos dois pontos a tratar. Um deles é o compartilhamento do vídeo em que a garota se encontra dormindo, nua, após o ato dantesco ter sido praticado. De forma deplorável, alguns dos meliantes riem da situação e exibem o corpo violentado. Rapidamente espalhado nas redes sociais, a divulgação do arquivo se mostra também um terrível crime contra a vítima, multiplicado por todos os celulares e computadores de maneira vulgar e igualmente condenável.

Outro ponto a ser discutido é a tentativa de condenação da vítima. De forma asquerosa, passaram a circular, também nas redes sociais, fotos da menor com armas, fazendo gestos que remetem ao Comando Vermelho e textos que informam que ela teria ido à favela por ter relacionamento com traficantes. Informam ainda que teria sido mãe aos treze anos e seria dada à prática sexual desde cedo. É uma campanha difamatória execrável. Uma vergonha. Um descalabro. Uma tentativa nefasta de condenar a vítima pelo ato de estupro praticado por trinta e três monstros e que nenhuma justificativa existe numa sociedade minimamente civilizada.

Se o fato ocorrido já se mostra abominável, da mesma forma é triste o comportamento de certas pessoas, que buscam ainda formas de justificar o ocorrido, numa clara manifestação machista e opressora, presente há séculos em nossa sociedade. Que de tal desgraça surja a consciência que falta para aqueles que se acham seres humanos, mas na verdade não são dignos desse nome.

sábado, 14 de maio de 2016

Onde estão as mulheres?






Meses atrás, uma reportagem da revista Veja causou polêmica. Com o título “Bela, recatada e do lar” exaltava as qualidades da agora primeira-dama Marcela Temer, destacando o fato que a referida senhora não trabalhava e se dedicava somente a seu esposo, numa relação de dependência e submissão, dentre outras características que pareciam perdidas em séculos passados. Justamente o que as mulheres (as comuns) vêm se esforçando para quebrar: o paradigma de que devem ser as donas de casa em lugar de uma vida pessoal independente.

Pois bem. Percebe-se agora que o presidente interino leva tal pensamento realmente a sério, a ponto de não nomear uma mulher sequer para um de seus ministérios. Mais da metade da população brasileira ficou, de repente, sem ter uma pessoa de seu gênero na Esplanada dos Ministérios. E antes que os apressados o defendam, alegando que o que importa é a competência, independente do sexo, ao menos sete dos ministros escolhidos são investigados pela Operação Lava Jato, para citar apenas um fato suspeito. Negro também não há. Somente homens, brancos e heterossexuais, para ilustrar de forma irrefutável o ideal do ser humano perfeito.

O fato foi tão debatido nas redes sociais e causou tanta estranheza que logo se buscou a História. E, de forma surpreendente, foi observado que o último governo presidencial a não ter uma mulher no primeiro escalão foi o do General Ernesto Geisel, no longínquo ano de 1974, ou seja, já se vão 42 anos. Ainda nos tempo da Ditadura Militar. Uma ótima referência para um governo que, assim como o do século passado, também não recebeu um voto sequer do povo brasileiro.

Mas não parou por aí. Para deixar bem claro que as minorias históricas não serão amparadas por seu governo, extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, bem como o Ministério da Cultura. Logo, o Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, trouxe uma explicação para o caso da falta de mulheres, numa daquelas frases em que a emenda sai pior que o soneto: “Elas ocuparão as secretarias”, referindo-se a cargos de segundo escalão. É. Para Temer, as mulheres não passam de secretárias. A dele, do lar. As demais que sigam o seu exemplo.

Respeitem os papa-jaca!







Da ordem do Juiz da Vara Criminal de Lagarto, Dr. Marcel Montalvão, que determinou o bloqueio do aplicativo Whatsapp em todo o Brasil, derivaram os mais lamentáveis e indignos comentários sobre nossa cidade, nosso Estado e nossa região, o Nordeste. Pessoas desconhecidas e até mesmo famosas usaram outras ferramentas, como o Twitter ou comentários de sites na internet, para expressar toda sua fúria diante da medida do magistrado sergipano.

Não se quer aqui discutir se tal medida foi acertada ou não. O fato é que, retirado do ar o aplicativo do momento, todos os holofotes se voltaram para a terra dos papa-jaca, como somos chamados. Fato semelhante ao que ocorreu, meses atrás, por decisão do mesmo juiz, quando decretou a prisão do vice-presidente do Facebook por não colaborar com investigações criminais, relativas ao tráfico de drogas. Porém, a medida tomada dessa vez afetou diretamente mais de cem milhões de pessoas que usam o aplicativo para os mais diversos fins, o que certamente provocou a avalanche de críticas e ofensas que invadiu o mundo virtual.

Menosprezo aos habitantes, chacota com o nível de desenvolvimento, preconceito intelectual, tudo se viu nas ondas da internet. Até mesmo famosos como o apresentador Marcelo Tas, conhecido por defender minorias e exigir respeito em seus programas, manifestou-se de forma pejorativa ao chamar o magistrado lagartense de “juizinho”. Esqueceu-se de que uma decisão judicial tomada seja ela em Sergipe ou São Paulo tem o mesmo valor e mesmos efeitos. E, mais ainda, o juiz Marcel Montalvão, nesse momento, é o titular da Vara Criminal de Lagarto. Caso estivesse na capital, Aracaju, a medida seria aceita mais passivamente? É conforme o valor da cidade e seu destaque, em nível nacional, que as decisões judiciais são mais ou menos absorvidas? Fosse um julgador do eixo sul-sudeste se acataria silenciosamente a ordem? Ou ao menos se respeitariam os habitantes da região, ficando os xingamentos restritos ao autor da decisão? O que se viu foi um comportamento preconceituoso e xenofóbico, próprio de pessoas com a mente pequena, talvez um novo reflexo da microcefalia que afeta o nosso país.

O certo é que o povo nordestino, sergipano e, mais especificamente, lagartense não pode ser tratado da forma que foi, apenas pelo fato de um juiz, nas atribuições do seu cargo, usar as ferramentas que julgou necessárias no combate ao crime organizado.  A cidade de Lagarto, bem como seus habitantes, merece ser respeitada. Somos os papa-jaca, com orgulho! Somos a terra de Sylvio Romero, de Laudelino Freire, de Diego Costa, dentre tantos outros ilustres filhos. Do Maratá e sua força empresarial. Do grupo Parafusos e sua força cultural. Do campus de Saúde da Universidade Federal de Sergipe. Da tradição da maniçoba e do arroz com galinha. Também de gente anônima, honesta, que trabalha decentemente e luta por seu lugar ao sol, com suas dificuldades e desafios. Gente que não vive alheia ao progresso e nem à tecnologia. Que tem acesso à internet e às redes sociais. Que é brasileiro, assim como qualquer outro nascido no território nacional. Sem superioridade, nem inferioridade. Apenas igual.