“Saravá, pra quem é de saravá. Bom dia pra quem é de bom dia”.
Era assim que Dr. Joaquim Prata adentrava a Secretaria da 1ª. Vara Cível de
Lagarto todos os dias. Num espaço entre uma audiência e outra nos dava o prazer
de sua presença. Imediatamente, o
ambiente era tomado de uma nova energia, mais alegre, mais radiante. Sentava-se
bem em frente à mesa em que trabalho. E a partir daí, ouvíamos seus inesquecíveis
causos, com personagens como Zefa das Couves, Zezinho dos Anzóis, dentre
outros. Histórias verídicas iam se entrelaçando com outras que beiravam o fantástico,
todas elas contadas com maestria por aquele que sabia rir e fazer rir.
Irei me lembrar, certamente, muito mais do Joaquim que
discutia acerca de filmes e espetáculos musicais do que meramente do Defensor
Público, sempre atento a seus clientes e sério cumpridor de suas obrigações. Da
pessoa que comentava sobre os mais diversos assuntos com sua maneira peculiar
de ver o mundo. Isso porque a pessoa de Joaquim Prata foi muito maior que a do defensor
público. Sua gentileza e forma de tratar as pessoas iam muito além do que a
frieza dos autos processuais. E como eram tantos esses autos... Único defensor
público da cidade de Lagarto por décadas, era dele a defesa dos que não podiam
arcar com os custos de um processo. No seu dizer, era o advogado “de quem não
tem onde cair morto”.
Além disso, era um talento das letras. Com sua humildade,
pedia-me para verificar seus contos antes de torna-los públicos. Eu lia e relia
num misto de prazer e de honra por receber tão valorosa incumbência. Foi assim
que conheci Naum Lira, protagonista de seu conto “Os Lobisomens das Cacimbas”. Eis
sua aparição, magistral: “Fazia calor quando Naum Lira chegou às Cacimbas.
Desceu da fubica de João Ford metido no terno diagonal branco, com o chapéu de
panamá quebrado de lado. A gravata borboleta era preta e aprisionada ao
colarinho duro da camisa creme. O sapato tinha a estirpe do cromo alemão, cujo
bico preto se acasalava a um branco intenso. Resoluto tomou o rumo da pensão de
Maroquinha”. O texto nem merecia retificações, mas Joaquim, cuidadoso como ele,
insistia que verificasse. E trocávamos ideias sobre as personagens e seus
desfechos. Uma verdadeira viagem numa literatura verdadeiramente original e saborosa,
assim como deveria ser o suco de pitanga que Naum bebe ao fim do conto.
Essas são algumas das lembranças que terei desse amigo tão
querido. Uma pessoa que certamente ainda haveria de escrever muitas outras
linhas em seu livro de vida, mas que, lamentavelmente, teve seu enredo abreviado
por esse mistério que é a morte. Esse fim, entretanto, será somente físico,
pois suas histórias e lembranças permanecerão para sempre na memória de todos
aqueles que tiveram a honra de conviver com o inesquecível Joaquim Prata.