A cena é brutal e remonta a séculos passados: o boi, dentro do brete,
sentindo-se acuado por varas pontiagudas, não vê a hora de o portão
abrir para sair em disparada. De cada um dos seus lados, dois vaqueiros
em seus cavalos aguardam o momento de saírem em busca de seu rabo. No
abrir da porta, saem todos os cinco, desabaladamente pela pista de areia
seca e dura, ao som dos gritos da multidão que assiste ao triste
espetáculo. Chegada a hora, o puxão. Dentro das duas linhas paralelas, o animal cai. Centenas de quilos
jogados ao chão, muitas vezes sem rabo, outras vezes com patas
quebradas, para euforia da plateia que saúda o vaqueiro vencedor.
Eis a cena do chamado "esporte nordestino" que tentou chegar a esse
status através de uma Lei do estado do Ceará, mas que, acertadamente,
foi considerada prática ilegal essa semana pelo Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da Justiça brasileira. Numa decisão que demonstra
civilidade e atenção aos direitos de nossa fauna, a maioria dos
Ministros considerou a lei cearense inconstitucional, o que provocará
desdobramentos a esses eventos por todo o Brasil. A decisão se baseou, principalmente, aos danos físicos e psicológicos
que tanto bois como cavalos sofrem ao participar de tal atividade, e se
colocou a salvaguarda da proteção à fauna num patamar superior aos
interesses econômicos e culturais que circundam as vaquejadas, argumento
sempre utilizado pelos defensores da violência.
Já havia passado o tempo de se proibirem essas atividades. E devemos
insistir para que tantas outras práticas como rodeios e utilização de
animais em circos sejam definitivamente banidas de nosso país. Não
podemos aceitar os maus tratos aos animais para a diversão humana, pois,
ainda que sejam observadas certas regras, não há cabimento para que
perdurem, até os dias de hoje, cenas brutais como a descrita no início
desse texto. Isso seria somente a prova de nossa falta de evolução como
seres humanos. Leonardo da Vinci, gênio da humanidade, já no século XV, dizia: "Chegará
o tempo em que o homem conhecerá o íntimo de um animal e nesse dia todo
crime contra um animal será um crime contra a humanidade".
Essa semana, demos um passo nesse sentido. Faltam tantos outros. Mas o
importante é que comecemos a criar essa consciência. Antes tarde do que
nunca.