EM FAMÍLIA
Moacir Poconé
Era ainda cedo quando ele
chegou. Estranhamente, ninguém o esperava. Bom dia, doutor. Como está doutor.
Eram as frases que mais ouvia ao chegar. Exigia ser chamado assim: doutor.
Mesmo que fora o chamassem pelo apelido de infância. Procurou ver um bom sinal
nisso. Estavam todos satisfeitos, achou. Mas sentiu falta das bajulações. Tudo
parecia muito estranho. Não estava acostumado a esse tipo de comportamento. Era
comum, afinal, ouvir aquilo mesmo não sendo verdade. Mas gostava. Mesmo que
fosse de mero formalismo. Onde estariam todos? Deixa pra lá, pensou, querendo
retomar o pensamento para o que importava. Em sua sala, o trabalho o esperava.
Contratos de milhões de reais sobre a mesa, alguns negócios legais, outros
escusos. Propinas a pagar. Mas ele não esquecia a falta de afagos. Além do
mais, eram sangue de seu sangue. Primos, sobrinhos, tios até a mãe. O pai já
não estava entre ele, no sentido eufemístico da palavra. Senão, lá estaria, com
toda certeza. Mais do que na prefeitura, sentia-se em casa, no seio do seu lar.
Literalmente. Pouco importavam os processos. Aquele promotorzinho recém-chegado
já estava com os seus dias contados. O governador era parente seu também, mesmo
que distante. Iria dar um jeito naquele intruso que mais parecia um filho sem
mãe. Afinal, como implicar com o fato de que ele fizera da prefeitura um
cabedal de empregos. Que mal há nisso? Farinha pouca, meu pirão primeiro. Era o
mote que sempre repetia, fazendo tornar uma verdade absoluta. Mas, e agora?
Queria um cafezinho e sequer havia uma auxiliar a lhe servir. Bem que pensara
duas vezes antes de empregar aquela sobrinha do irmão de seu cunhado. Agora que
precisava dela, a danada desaparecera. Gente mais preguiçosa! Algumas ligações,
várias assinaturas que sequer sabia do que se tratava. E ninguém aparecia. Que
diabos! Levantou-se impaciente. Aquilo já estava passando dos limites. Foi à
sala da secretária, enfezado, reclamar daquilo que já achava um insulto. Ao
abrir a porta, ouviu, numa só voz: feliz aniversário! E lá estavam todos os
secretários, auxiliares, cargos em comissão, numa sala que ficou apertada de
tanta gente. Festa surpresa. Festa de família. Naquele dia ninguém trabalhou. A
família inteira, na sala do prefeito, fez a cidade parar. A administração da
cidade era da família e a família era a administração. Nada mais bonito que uma
família unida. Em casa e no trabalho, como se ambos fossem a mesma coisa. E
eram mesmo.
* Crônica selecionada em 2o. lugar no Concurso de Crônicas Laura Ferreira do Nascimento (SP). Resultado divulgado em 22/09/2012.