sábado, 22 de setembro de 2012

Em Família



 EM FAMÍLIA
Moacir Poconé

Era ainda cedo quando ele chegou. Estranhamente, ninguém o esperava. Bom dia, doutor. Como está doutor. Eram as frases que mais ouvia ao chegar. Exigia ser chamado assim: doutor. Mesmo que fora o chamassem pelo apelido de infância. Procurou ver um bom sinal nisso. Estavam todos satisfeitos, achou. Mas sentiu falta das bajulações. Tudo parecia muito estranho. Não estava acostumado a esse tipo de comportamento. Era comum, afinal, ouvir aquilo mesmo não sendo verdade. Mas gostava. Mesmo que fosse de mero formalismo. Onde estariam todos? Deixa pra lá, pensou, querendo retomar o pensamento para o que importava. Em sua sala, o trabalho o esperava. Contratos de milhões de reais sobre a mesa, alguns negócios legais, outros escusos. Propinas a pagar. Mas ele não esquecia a falta de afagos. Além do mais, eram sangue de seu sangue. Primos, sobrinhos, tios até a mãe. O pai já não estava entre ele, no sentido eufemístico da palavra. Senão, lá estaria, com toda certeza. Mais do que na prefeitura, sentia-se em casa, no seio do seu lar. Literalmente. Pouco importavam os processos. Aquele promotorzinho recém-chegado já estava com os seus dias contados. O governador era parente seu também, mesmo que distante. Iria dar um jeito naquele intruso que mais parecia um filho sem mãe. Afinal, como implicar com o fato de que ele fizera da prefeitura um cabedal de empregos. Que mal há nisso? Farinha pouca, meu pirão primeiro. Era o mote que sempre repetia, fazendo tornar uma verdade absoluta. Mas, e agora? Queria um cafezinho e sequer havia uma auxiliar a lhe servir. Bem que pensara duas vezes antes de empregar aquela sobrinha do irmão de seu cunhado. Agora que precisava dela, a danada desaparecera. Gente mais preguiçosa! Algumas ligações, várias assinaturas que sequer sabia do que se tratava. E ninguém aparecia. Que diabos! Levantou-se impaciente. Aquilo já estava passando dos limites. Foi à sala da secretária, enfezado, reclamar daquilo que já achava um insulto. Ao abrir a porta, ouviu, numa só voz: feliz aniversário! E lá estavam todos os secretários, auxiliares, cargos em comissão, numa sala que ficou apertada de tanta gente. Festa surpresa. Festa de família. Naquele dia ninguém trabalhou. A família inteira, na sala do prefeito, fez a cidade parar. A administração da cidade era da família e a família era a administração. Nada mais bonito que uma família unida. Em casa e no trabalho, como se ambos fossem a mesma coisa. E eram mesmo.

* Crônica selecionada em 2o. lugar no Concurso de Crônicas Laura Ferreira do Nascimento (SP). Resultado divulgado em 22/09/2012.

2 comentários:

  1. Parabéns pela crônica senhor Moacir. Muito bem elaborada, narrativa curta, saturada de pontos e vírgulas que promovem a dinamização da leitura. Fechando com chave de ouro, um final cômico e, ao mesmo tempo, surpreendente. Fazendo rir e refletir nesta época de paixonites políticas e escabos de influências e desafetos, conhecida como período eleitoral.

    Bajulações a parte, colocação merecida. Um abraço do seu aluno Victor Ribeiro.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado senhor Victor. Tais palavras vindo de vossa pessoa apenas engrandecem a conquista. Abraços

    ResponderExcluir