segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Viva o fim da vaquejada!



A cena é brutal e remonta a séculos passados: o boi, dentro do brete, sentindo-se acuado por varas pontiagudas, não vê a hora de o portão abrir para sair em disparada. De cada um dos seus lados, dois vaqueiros em seus cavalos aguardam o momento de saírem em busca de seu rabo. No abrir da porta, saem todos os cinco, desabaladamente pela pista de areia seca e dura, ao som dos gritos da multidão que assiste ao triste espetáculo. Chegada a hora, o puxão. Dentro das duas linhas paralelas, o animal cai. Centenas de quilos jogados ao chão, muitas vezes sem rabo, outras vezes com patas quebradas, para euforia da plateia que saúda o vaqueiro vencedor.

Eis a cena do chamado "esporte nordestino" que tentou chegar a esse status através de uma Lei do estado do Ceará, mas que, acertadamente, foi considerada prática ilegal essa semana pelo Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da Justiça brasileira. Numa decisão que demonstra civilidade e atenção aos direitos de nossa fauna, a maioria dos Ministros considerou a lei cearense inconstitucional, o que provocará desdobramentos a esses eventos por todo o Brasil. A decisão se baseou, principalmente, aos danos físicos e psicológicos que tanto bois como cavalos sofrem ao participar de tal atividade, e se colocou a salvaguarda da proteção à fauna num patamar superior aos interesses econômicos e culturais que circundam as vaquejadas, argumento sempre utilizado pelos defensores da violência.

Já havia passado o tempo de se proibirem essas atividades. E devemos insistir para que tantas outras práticas como rodeios e utilização de animais em circos sejam definitivamente banidas de nosso país. Não podemos aceitar os maus tratos aos animais para a diversão humana, pois, ainda que sejam observadas certas regras, não há cabimento para que perdurem, até os dias de hoje, cenas brutais como a descrita no início desse texto. Isso seria somente a prova de nossa falta de evolução como seres humanos. Leonardo da Vinci, gênio da humanidade, já no século XV, dizia: "Chegará o tempo em que o homem conhecerá o íntimo de um animal e nesse dia todo crime contra um animal será um crime contra a humanidade". Essa semana, demos um passo nesse sentido. Faltam tantos outros. Mas o importante é que comecemos a criar essa consciência. Antes tarde do que nunca.

Em tempo de eleição, quem suporta o whatsapp?



Maior aplicativo de mensagens instantâneas, o whatssapp é, sem dúvida, uma excelente forma de comunicação. Além disso, serve também para divulgação de eventos, propaganda, enfim, tudo aquilo que se deseja que a maioria das pessoas saiba que irá acontecer. Principalmente através dos chamados grupos, em que, às vezes, centenas de pessoas dividem o mesmo espaço virtual.

Eu mesmo estou em vários grupos do aplicativo. Uns do trabalho, da família, do Flamengo, meu clube de coração. Também participo de outros mais gerais, que iniciaram com a pretensão de serem "grupos de notícias".Uma forma interessante de divulgar e saber sobre fatos e eventos de nossa cidade. Claro que um bom debate acerca de assuntos polêmicos é sempre bem-vindo, desde que haja educação por parte dos envolvidos. Cada um pode, é claro, defender aquilo em que acredita, desde que haja respeito e civilidade.
Entretanto, começada a campanha eleitoral que, felizmente, esse ano dura apenas 45 dias, vê-se o aplicativo transformado num verdadeiro "cabo eleitoral virtual", tamanha a quantidade de propaganda de candidatos que passou a veicular. Mais ainda: uma verdadeira avalanche de ofensas, ameaças e discussões, que passa longe do mínimo aceitável para que se possa tentar construir uma argumentação dotada de algum pensamento que se aproveite.

Grupos e mais grupos, com assessores, políticos e apaixonados, digladiando-se de maneira muitas vezes desrespeitosa, como se mais nada importasse senão o evento do dia 02 de outubro. Amizades desfeitas, rancor e até promessas de futuros processos judiciais derivados de manifestações virtuais. Enfim, uma arena repleta de feras em que o bom senso foi devorado. Pessoalmente, abstenho-me dessas discussões em nível municipal e, por vezes, estadual. Sei da paixão das pessoas e sua falta de discernimento em separar um posicionamento sobre qualquer assunto de uma preferência política.

Mas vejo,de forma lamentável, um espaço que poderia ser utilizado como mais uma forma de divulgação de projetos e intenções políticas utilizado de forma inconveniente com a enxurrada de "santinhos virtuais" ou transformado em mero ringue para batalhas eleitoreiras.

sábado, 28 de maio de 2016

Múltiplos estrupros




Os trinta e três estupros sofridos por uma menor no Rio de Janeiro e que repercutiram em todo o mundo foram pouco para o que está ocorrendo nas redes sociais. Na verdade, são muito mais que isso. São múltiplos, milhares, talvez milhões. Porque a repercussão do fato e, principalmente, os vídeos e fotos da menor são uma violência tanto ou até pior que a dor física que ela certamente sentiu.

Trata-se de uma eternização de um momento grotesco e condenado por aqueles que têm ainda o mínimo de decência. E aí temos dois pontos a tratar. Um deles é o compartilhamento do vídeo em que a garota se encontra dormindo, nua, após o ato dantesco ter sido praticado. De forma deplorável, alguns dos meliantes riem da situação e exibem o corpo violentado. Rapidamente espalhado nas redes sociais, a divulgação do arquivo se mostra também um terrível crime contra a vítima, multiplicado por todos os celulares e computadores de maneira vulgar e igualmente condenável.

Outro ponto a ser discutido é a tentativa de condenação da vítima. De forma asquerosa, passaram a circular, também nas redes sociais, fotos da menor com armas, fazendo gestos que remetem ao Comando Vermelho e textos que informam que ela teria ido à favela por ter relacionamento com traficantes. Informam ainda que teria sido mãe aos treze anos e seria dada à prática sexual desde cedo. É uma campanha difamatória execrável. Uma vergonha. Um descalabro. Uma tentativa nefasta de condenar a vítima pelo ato de estupro praticado por trinta e três monstros e que nenhuma justificativa existe numa sociedade minimamente civilizada.

Se o fato ocorrido já se mostra abominável, da mesma forma é triste o comportamento de certas pessoas, que buscam ainda formas de justificar o ocorrido, numa clara manifestação machista e opressora, presente há séculos em nossa sociedade. Que de tal desgraça surja a consciência que falta para aqueles que se acham seres humanos, mas na verdade não são dignos desse nome.

sábado, 14 de maio de 2016

Onde estão as mulheres?






Meses atrás, uma reportagem da revista Veja causou polêmica. Com o título “Bela, recatada e do lar” exaltava as qualidades da agora primeira-dama Marcela Temer, destacando o fato que a referida senhora não trabalhava e se dedicava somente a seu esposo, numa relação de dependência e submissão, dentre outras características que pareciam perdidas em séculos passados. Justamente o que as mulheres (as comuns) vêm se esforçando para quebrar: o paradigma de que devem ser as donas de casa em lugar de uma vida pessoal independente.

Pois bem. Percebe-se agora que o presidente interino leva tal pensamento realmente a sério, a ponto de não nomear uma mulher sequer para um de seus ministérios. Mais da metade da população brasileira ficou, de repente, sem ter uma pessoa de seu gênero na Esplanada dos Ministérios. E antes que os apressados o defendam, alegando que o que importa é a competência, independente do sexo, ao menos sete dos ministros escolhidos são investigados pela Operação Lava Jato, para citar apenas um fato suspeito. Negro também não há. Somente homens, brancos e heterossexuais, para ilustrar de forma irrefutável o ideal do ser humano perfeito.

O fato foi tão debatido nas redes sociais e causou tanta estranheza que logo se buscou a História. E, de forma surpreendente, foi observado que o último governo presidencial a não ter uma mulher no primeiro escalão foi o do General Ernesto Geisel, no longínquo ano de 1974, ou seja, já se vão 42 anos. Ainda nos tempo da Ditadura Militar. Uma ótima referência para um governo que, assim como o do século passado, também não recebeu um voto sequer do povo brasileiro.

Mas não parou por aí. Para deixar bem claro que as minorias históricas não serão amparadas por seu governo, extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, bem como o Ministério da Cultura. Logo, o Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, trouxe uma explicação para o caso da falta de mulheres, numa daquelas frases em que a emenda sai pior que o soneto: “Elas ocuparão as secretarias”, referindo-se a cargos de segundo escalão. É. Para Temer, as mulheres não passam de secretárias. A dele, do lar. As demais que sigam o seu exemplo.

Respeitem os papa-jaca!







Da ordem do Juiz da Vara Criminal de Lagarto, Dr. Marcel Montalvão, que determinou o bloqueio do aplicativo Whatsapp em todo o Brasil, derivaram os mais lamentáveis e indignos comentários sobre nossa cidade, nosso Estado e nossa região, o Nordeste. Pessoas desconhecidas e até mesmo famosas usaram outras ferramentas, como o Twitter ou comentários de sites na internet, para expressar toda sua fúria diante da medida do magistrado sergipano.

Não se quer aqui discutir se tal medida foi acertada ou não. O fato é que, retirado do ar o aplicativo do momento, todos os holofotes se voltaram para a terra dos papa-jaca, como somos chamados. Fato semelhante ao que ocorreu, meses atrás, por decisão do mesmo juiz, quando decretou a prisão do vice-presidente do Facebook por não colaborar com investigações criminais, relativas ao tráfico de drogas. Porém, a medida tomada dessa vez afetou diretamente mais de cem milhões de pessoas que usam o aplicativo para os mais diversos fins, o que certamente provocou a avalanche de críticas e ofensas que invadiu o mundo virtual.

Menosprezo aos habitantes, chacota com o nível de desenvolvimento, preconceito intelectual, tudo se viu nas ondas da internet. Até mesmo famosos como o apresentador Marcelo Tas, conhecido por defender minorias e exigir respeito em seus programas, manifestou-se de forma pejorativa ao chamar o magistrado lagartense de “juizinho”. Esqueceu-se de que uma decisão judicial tomada seja ela em Sergipe ou São Paulo tem o mesmo valor e mesmos efeitos. E, mais ainda, o juiz Marcel Montalvão, nesse momento, é o titular da Vara Criminal de Lagarto. Caso estivesse na capital, Aracaju, a medida seria aceita mais passivamente? É conforme o valor da cidade e seu destaque, em nível nacional, que as decisões judiciais são mais ou menos absorvidas? Fosse um julgador do eixo sul-sudeste se acataria silenciosamente a ordem? Ou ao menos se respeitariam os habitantes da região, ficando os xingamentos restritos ao autor da decisão? O que se viu foi um comportamento preconceituoso e xenofóbico, próprio de pessoas com a mente pequena, talvez um novo reflexo da microcefalia que afeta o nosso país.

O certo é que o povo nordestino, sergipano e, mais especificamente, lagartense não pode ser tratado da forma que foi, apenas pelo fato de um juiz, nas atribuições do seu cargo, usar as ferramentas que julgou necessárias no combate ao crime organizado.  A cidade de Lagarto, bem como seus habitantes, merece ser respeitada. Somos os papa-jaca, com orgulho! Somos a terra de Sylvio Romero, de Laudelino Freire, de Diego Costa, dentre tantos outros ilustres filhos. Do Maratá e sua força empresarial. Do grupo Parafusos e sua força cultural. Do campus de Saúde da Universidade Federal de Sergipe. Da tradição da maniçoba e do arroz com galinha. Também de gente anônima, honesta, que trabalha decentemente e luta por seu lugar ao sol, com suas dificuldades e desafios. Gente que não vive alheia ao progresso e nem à tecnologia. Que tem acesso à internet e às redes sociais. Que é brasileiro, assim como qualquer outro nascido no território nacional. Sem superioridade, nem inferioridade. Apenas igual.

domingo, 20 de março de 2016

A hipocrisia no país da boca limpa






Após a divulgação das controversas escutas telefônicas promovidas pelo juiz Sérgio Moro, vimos surgir nas redes sociais, em programas de rádio e TV, ou mesmo em conversas entre amigos, uma atitude de surpresa diante do vocabulário utilizado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Como poderia um ex-presidente falar tantos palavrões ou usar tantos termos de calão em suas conversas? Um verdadeiro absurdo, segundo o espanto das pessoas.

Esqueceram que ali estava o Lula cidadão comum, em conversas particulares com pessoas próximas. Trataram a fala do ex-presidente como um pronunciamento oficial. “Estamos vendo agora quem ele realmente é”, disseram alguns desses comentaristas, surpreso muito mais pela forma do que pelo conteúdo dos diálogos. Certamente, são pessoas que não xingam no seu dia a dia e por isso se surpreenderam com as divulgações. São pessoas que jamais seriam chamadas de “boca suja”.


Interessante a relação que se pode fazer com outro evento. Só que esse, público e de alcance mundial. Trata-se da abertura da Copa do Mundo, no ano de 2014, aqui no Brasil. A torcida, formada em sua imensa maioria por pessoas de boa posição econômica e social, mandou em alto e bom som a presidente Dilma, que naquele ato representava o país, “ir tomar no c...”. É irônico que naquele momento, esse ato grosseiro tenha sido tratado por muitos como natural e um exemplo da liberdade da expressão das pessoas. E agora, provavelmente muitas dessas pessoas, condenem Lula por seu vocabulário numa ligação reservada.

Não entrarei no mérito do teor dos grampos realizados. Mas a hipocrisia no país da boca limpa sem dúvida merece uma análise mais detalhada. O que provoca o assombro realmente é o teor das palavras ou a vontade de condenar aquele que as profere? Fica a reflexão.