domingo, 23 de fevereiro de 2014

Estamos (quase) todos presos!




Roubos de celulares em plena luz do dia. Roubos de motos. Agressões. Tiros nas ruas. Invasões a residências. Assaltos a lotéricas e academias de ginástica. Assassinatos até dentro de igreja. Só quem tem muita coragem está saindo de casa na cidade de Lagarto. Quem não tem, que fique preso. Em sua própria casa.

A violência contra o cidadão lagartense chegou a níveis jamais imaginados. Antes, o fato de morar numa cidade promissora do interior sergipano era sinal de tranquilidade em relação à capital, Aracaju. Pessoas conversavam até mais tarde, com cadeiras nas calçadas. As pessoas podiam usufruir de seus bens sem preocupação em escondê-los. Os comerciantes tinham outras preocupações como as baixas vendas, mas não com a segurança. Uma moto ou um carro eram motivos de orgulho para o trabalhador que conseguia comprá-los e não motivo de preocupação. Vivia-se, enfim, num ambiente de tranquilidade.

Hoje, raras são as casas em Lagarto que não possuem cerca elétrica. Portões fechados, com muros altos e até câmeras de segurança. O cidadão de bem está preso. Esconde-se atrás das paredes com medo dos marginais. Não encontra do Poder Público a resposta que gostaria de ter ou o motivo por que paga tantos impostos. As ruas da cidade já em torno de 22:00 horas estão bem mais vazias. Ninguém quer se arriscar. Não temos a quem recorrer em caso de perigo. Estamos à mercê de nossa própria sorte (ou azar). Chegou o tempo do “cada um por si”. Tempos tristes esses em que vivemos...

Alegria mesmo só para aqueles que não estão presos. Sim, eles existem. Podem sair livremente sem medo algum. A qualquer hora, seja dia ou noite. Não temem perigo algum. Não há ameaça. Circulam tranquilamente pela cidade, buscando uma oportunidade, um vacilo (como eles dizem), dos otários (que somos nós). Estão soltos e, para eles, nossa cidade e sua insegurança são um paraíso. Pois é. Nem todos estamos presos.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

As mil e uma noites





Há uma lenda persa muito conhecida no mundo ocidental chamada “As mil e uma noites”. Trata-se de história muito antiga, na qual uma bela e muito inteligente mulher consegue evitar sua morte ao contar histórias a um rei por mil e uma noites.

Os personagens são Sheherazade e o rei Shariar. O rei, após ser traído, acaba por matar sua esposa e o seu amante. E resolve tomar decisão das mais terríveis: a cada noite se casaria com uma nova mulher e, logo na manhã seguinte, mandaria executá-la, evitando assim nova traição. Assim foi feito por três anos, o que gerou muita lamentação em todo reino.

Sheherazade então, julgando-se muito esperta, resolve se oferecer para casamento com o tal rei, dizendo saber como acabar com aquela atrocidade. Mesmo com os pedidos de seu pai, a bela moça não hesita e põe seu plano em prática, casando-se com o rei. 

Sabiamente, fala ao monarca que sua irmãzinha chora, pois não terminará a história que havia começado, uma vez que será executada pela manhã. Curioso, o rei quer saber que história é essa. Então, de forma muito inteligente  Sheherazade conta uma história que vai até o dia amanhecer, deixando o rei ansioso por seu final. Até que raia o dia. E o rei, ávido por saber o fim da narrativa, não executa a moça. Para se manter viva, a garota vai contando histórias e mais histórias, distraindo o rei por mil e uma noites, até que, ao fim, mostra que já conviveram juntos por todo esse tempo, amaram-se, tiveram dois filhos e que o homem nada havia percebido, por estar entretido com os enredos de Sheherazade. Por fim, casam-se, celebrando o amor.

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Certamente, a jornalista Rachel Sheherazade tem seu nome inspirado na personagem que acabamos de mencionar. E, pelo jeito, também gosta de contar histórias. Tendo iniciado sua carreira num telejornal da região nordeste, tornou-se figura conhecida por suas opiniões, consideradas corajosas por alguns. Na verdade, escondia atrás de suas palavras um rancor e um ódio comparáveis às ideias fascistas. Ainda na onda da repercussão por sua dita bravura, chegou à bancada de um jornal de alcance nacional, o SBT Brasil, e continuou por contar suas histórias marcadas por fortes tintas ideologicamente de direita e marcadas por uma religiosidade quase cega.

A última dessas incursões ao mundo das polêmicas foi, na verdade, um crime. A jornalista que gosta de contar histórias viu na grotesca cena de pessoas que aprisionaram um menor de idade, torturando-o em praça pública, uma redenção da sociedade. Incentivou a prática da tortura ou do homicídio, alegando uma tal de “legítima defesa da sociedade”. Na verdade, trata-se de querer oficializar o linchamento e a antiquíssima e descabida vontade das pessoas em momentos de insanidade de querer fazer justiça com as próprias mãos.

Estamos no século XXI. Nossa sociedade há muito deveria ter se livrado dos atos de barbárie que marcaram o início das civilizações. Cabe ao Estado o poder de punir os delinquentes, da forma adequada e prevista nas leis. Não compete a uma pessoa formadora de opinião, defender tal prática, nem mesmo de brincadeira. A Sheherazade persa terminou suas histórias com um final feliz. O final das histórias da Sheherazade brasileira não será o mesmo.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Um beijo na hipocrisia




O chamado "casamento gay" já é um fato em nosso país. Já não se conta o número de casais homossexuais que oficializaram sua união, como há muito tempo já deveria ser. A sociedade já não vê tal ato com a recriminação de antes. Mas essa semana um beijo entre pessoas do mesmo sexo foi o assunto mais debatido por todos.

É como se pessoas do mesmo sexo pudessem se casar, mas ninguém soubesse que elas se beijam. A sociedade moralista quisesse impor a seguinte condição: “Ok, casem-se. Mas beijo na boca, não”. A cena presente no capítulo final da novela Amor à vida, entre os personagens Félix e Niko, foi comemorada como se fosse um título de futebol. Felizmente, não apenas por pessoas que possuem essa opção (desculpem o termo) sexual, mas por todos aqueles que aceitam a igualdade para todos, de forma indistinta.  

Óbvio que houve quem condenasse. Decretaram o fim das famílias, um atentado às crianças e outra dezena de frases do tipo. Pura bobagem. Nada houve na tal cena de ofensivo à moral de quem que fosse. Não se tratou de um beijo gratuito, vulgar. Foi um beijo de um casal apaixonado, responsável por uma bela família, com seus dois filhos, e que se despede para ir a mais um dia de trabalho. Nada mais comum e que certamente ocorre milhares de vezes todos os dias em casas do Brasil. Qual o mal que esse casal faz? Por que escondê-lo, segregá-lo?

A hipocrisia e o preconceito andam juntos. E agem como vírus no meio social, provocando intolerância nas pessoas. Como disse certa vez o grande cientista Albert Einstein: “Gostaria de uma sociedade mais justa, menos corrupta, com menos hipocrisia, mais digna, com mais amor ao próximo, menos preconceito, menos rancor e principalmente mais paz na alma”. Certamente, demos um passo para esse caminho.