terça-feira, 24 de junho de 2014

Noites nordestinas






Ai que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras na fogueira
Sob o luar do sertão

Meninos brincando de roda
Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira
Brincando com o coração
Eita, São João dos meus sonhos
Eita, saudoso sertão


Essas duas singelas estrofes compõem a letra de Noites Brasileiras, clássica música do mestre Luiz Gonzaga. A dança, a música, os costumes fazem a tradição de um povo. É uma grande pena ver que muitas dessas tradições estão se perdendo com o passar do tempo.

Especialmente para nós, nordestinos, os festejos juninos se constituíam num momento ímpar durante todo o ano. Era o tempo em que a colheita do milho se materializava sobre a mesa nos dias de São João e São Pedro, transformado em alimentos como canjica, pamonha, mungunzá. Tempos em que, na brasa da fogueira, famílias se esquentavam do frio de junho, ao mesmo tempo em que assavam espigas no calor do fogo. Ao lado, crianças soltavam fogos, enquanto todos cantavam as músicas de quadrilhas ou o xote do velho Lua.

Mais do que apenas um momento passageiro de celebração, podemos dizer que era um instante de afirmação de nossa "nordestinidade". Um momento em que as famigeradas influências do “sul maravilha” ou mesmo estrangeiras eram deixadas de lado e exultávamos a nossa música e nossa culinária. Tempo em que nossas tradições ocupavam o palco principal de todo e qualquer evento. E nos orgulhávamos disso.

Mas esse tempo parece estar acabando. A eterna luta da cultura massificada contra a cultura popular vem travando embates cada vez mais ferrenhos. E isso não se restringe a capitais do Nordeste. Mesmo na nossa cidade, Lagarto, interior do menor Estado do Brasil, percebe-se esse fato. Quase que a festa junina organizada pelo Poder Público foi comemorada no mês de maio e em pleno dia de São Pedro, teremos show de banda de rock na melhor casa de shows da cidade.

Não se pretende aqui defender um isolamento de nossa cultura. Ao contrário. Devemos respeitá-la e, para isso, preservá-la. Como disse o mestre Ariano Suassuna: “Sou a favor da internacionalização da cultura, mas não acabando as peculiaridades locais e nacionais”. Que se acenda a fogueira na frente das casas nos festejos juninos. Que as famílias se juntem no calor da fogueira. Que se coma a pamonha e a canjica. Que se ouça o xote, o xaxado, o forró, nossa música nas noites de São João e de São Pedro. Tudo isso em nome da legítima tradição nordestina.

sábado, 14 de junho de 2014

Dois dias de Copa do Mundo no Brasil, dois dias de vaias e xingamentos injustos




 

Quem estava na abertura da Copa, em São Paulo, representando o país-sede não era Dilma Roussef. Era muito mais que ela. Era um símbolo do Brasil. Era o nosso maior mandatário, eleito democraticamente pelo povo e que naquele momento representava nossa nação. As vaias fazem parte do jogo, pois como dizia Nelson Rodrigues “Em campo de futebol, se vaia até minuto de silêncio”. Já os xingamentos com frases como “Ei, Dilma, vai tomar no c...”, demonstram a bestialidade desses indivíduos que comemoraram quando o Brasil foi escolhido como sede da copa e puderam estar ali no estádio, porque o povão mesmo não tem acesso à Copa da Fifa.

Os impropérios daqueles que o colunista Juca Kfouri  chamou de “elite branca, que tem dinheiro, mas não tem um mínimo e educação, civilidade ou espírito democrático” mostram a incoerência de quem se lambuza no prato oferecido por sua vítima. Josias de Souza, outro colunista do UOL, afirmou sobre o mesmo fato:  “(..) Porém, ao evoluir do apupo para o palavrão, a classe média presente ao Itaquerão exorbitou. Mais do que uma pose momentânea, o presidente da República é uma faixa. Xingá-la significa ofender a instituição”. Até mesmo o presidenciável Aécio Neves, rival de Dilma, veio às redes sociais demonstrar sua indignação com o comportamento das pessoas presentes no Estádio, embora que num primeiro momento os tenha apoiado.

Já no segundo dia de Copa, tivemos o brasileiro e lagartense Diego Costa estreando na competição com a camisa da Espanha. As vaias, certamente, eram esperadas. Mas o que se viu foi uma verdadeira perseguição ao atacante. Cada toque na bola, cada corrida em direção ao lance, eram acompanhados de uma vaia tão poderosa que parecia ser uma indignação. Apenas parecia. Não havia ninguém verdadeiramente indignado. Na verdade, uma campanha articulada pelo técnico do Brasil, Felipão, foi devidamente bancada pela imprensa, tornando o lagartense o mais novo inimigo do povo brasileiro. Para os que não pensam, um prato cheio para demonstram sua ignorância, forjada pela mídia sensacionalista.

Já no segundo tempo de jogo, ao ser substituído, vieram os xingamentos; “Diego, viado”, gritava a turba ensandecida. O que teria feito de tão grave o jogador para receber tal tratamento? A resposta: escolheu o país que o recebeu de braços abertos, onde fez toda sua carreira e em que viu a possibilidade de realizar o sonho de todo jogador de futebol, que é jogar o Mundial. Na seleção brasileira, não tinha qualquer garantia, sequer se seria convocado. Na seleção espanhola, é titular. Quem não faria o mesmo?

Dois dias de Copa do Mundo. Um presidente da república e um jogador de futebol execrados sumariamente em público.  Pessoas que pagaram caro para estarem ali e que não representam a sociedade brasileira, mas sim uma elite que se julga além do bem e do mal. O que mostra que nem sempre condição financeira é sinônimo de inteligência e boa educação.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

A Copa e o complexo de vira-lata





“O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima”
Nélson Rodrigues

A frase acima é uma das tantas que são dignas de nota do dramaturgo Nelson Rodrigues. É essa frase que define aquilo que o escritor carioca chamaria de “Complexo de vira-lata”. Foi criada como referência à tragédia do Maracanazo, a famosa derrota sofrida pela Seleção Brasileira para os uruguaios no final da copa de 1950. A raça e a vontade dos uruguaios comandados por seu capitão, o mítico Obdulio Varela, sobrepujaram o talento do time brasileiro. Muito mais que uma derrota causada meramente por aspectos esportivos, via-se ali a vitória da determinação sobre a covardia, esta última característica que seria inerente ao povo brasileiro.

Já se passaram 64 anos, portanto, daquele que ainda hoje é lembrada como a maior derrota brasileira nos campos de futebol. A teoria de Nelson Rodrigues, entretanto, ultrapassou os limites do campo de futebol e há muito tempo se instalou em nossa sociedade. A sensação que temos é a de que nós mesmos nos achamos os piores, os incapazes, aqueles que não sabem realizar nada que preste. Nos últimos anos, esse sentimento parece ter aumentado ainda mais, com a conquista do direito de realizar grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Não é raro ouvirmos das pessoas ou lermos nas redes sociais, verdadeiras lamúrias, criticando a realização de tais competições em nossos domínios ou, ainda pior, afirmando que nosso país não é capaz de organizá-los com eficiência.

É lamentável. Nós mesmos achamos que somos o povo do “jeitinho”, do samba e do futebol. E só.  Não lutamos por nada em nossa história, conformamos com péssimos governos. Zombamos de nós mesmos e balançamos a cabeça negativamente para nossa própria imagem. Em vez de procurarmos qualidades (que não são poucas), exaltamos as nossas deficiências. Julgamos algo como “ótimo”, apenas por estar além de nossas fronteiras. Tudo que é de fora, apresenta-se como perfeito, excelente. O que se faz por aqui, merece apenas a recriminação e o descaso das pessoas. O que pensamos em fazer surge à nossa frente carregado de obstáculos e dificuldades. Tudo o que já fizemos, não nos serve, porque foi mal feito. Ou melhor, porque foi feito por nós.

Amanhã se inicia uma nova Copa do Mundo. A Copa do Brasil. É o momento de deixarmos de lado, de uma vez por todas, o complexo de vira-lata, que tanto nos arrasta para o fundo do poço do pessimismo. Precisamos e vamos mostrar que somos capazes. Não só para os estrangeiros, mas para nós mesmos, brasileiros. Mais do que no futebol, faremos um evento maravilhoso em todos os aspectos, sem nada a dever às grandes nações do mundo. Porque, afinal, também somos uma delas.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Os gritos do silêncio






A produção textual, juntamente com a leitura, são dois grandes obstáculos que um professor de redação percebe nos jovens de hoje. A luta é árdua, mas de vez em quando surgem textos em que se nota que ainda resta esperança. Por isso, o reconhecimento é necessário, para que sirva de estímulo não apenas ao produtor do texto, mas principalmente aos demais estudantes.

Nessa postagem, compartilho com os leitores desse blog a produção de uma de minhas alunas, Karine Araújo Trindade. Ela é aluna do 2o. ano do Ensino Médio do Colégio José Augusto Vieira e produziu a crônica que segue abaixo, após solicitação em sala de aula.

Os gritos do silêncio

Lucy era uma jovem que morava com seus pais. Ela era dona de uma tristeza incomparável. Seus olhos mostravam os traços de uma dolorosa solidão. Seus passos eram lentos, como se ela nunca quisesse ter saído da proteção de sua casa. Seus trajes eram moletons um tanto surrados, que por trás deles ela escondia as dores de um silêncio, as cicatrizes. Seu corpo fedia a cigarro, a álcool e todas as coisas que resultavam na sua destruição.

Seu sacrifício era ter que enfrentar uma sociedade doente, em que as pessoas eram só uma cópia das modelos que passavam na televisão. Ao contrário deles, Lucy ignorava qualquer meio onde a manipulação social estivesse presente explicitamente. Preferia os seus livros de poesias, os quais ela lia em todos os fins de tardes na biblioteca, ou até mesmo ouvir “The Beatles” na varanda, enquanto tentava decifrar os mistérios da vida. Ela era cruel ao falar de si mesma, se menosprezava o tempo todo, mas todos sabiam que ela só precisava de alguém. Que enquanto ocorria uma guerra dentro de si, o seu silêncio gritava por paz, mas será que alguém realmente ouviu? Ou fingiu que se importava?

Mas, foi em um dia de guerra mental, que encontraram o corpo da pequena Lucy na varanda de sua casa. Talvez por puro egoísmo esquecêssemos de escutá-la. Assim como Kurt Cobain, antes de seu suicídio, ela deixou uma pequena carta a sua direita. Era um pouco complicado de compreender a sua escrita. Talvez ela estivesse trêmula demais para se despedir em um pequeno papel. Mas no fim ela dizia “Fecharei meus olhos, pois os anjos caídos irão me visitar”. Para quem não sabe, “os anjos caídos” a que Lucy se referiu eram os anjos que se rebelaram contra Deus juntamente com Lúcifer. Não compreendíamos a sua falta de fé, a falta de um ser maior. Lucy só precisava acreditar.