domingo, 29 de dezembro de 2013

"Qual história você prefere?"




Revendo os arquivos dos últimos textos aqui publicados, me surpreendi com a ausência de artigos comentando sobre cinema. Amante que sou da Sétima Arte, começarei a corrigir tal erro desde já, indicando para os amigos leitores uma das últimas obras a que assisti. Um filme realmente espetacular, que fala de fé e de esperança.

Trata-se de As aventuras de Pi (Life of Pi, EUA, 2012), filme do consagrado diretor Ang Lee e que teve 11 indicações ao Oscar, tendo vencido em 5 categorias. Baseado no romance de Yann Martel, que, por sua vez, partiu de um argumento do escritor gaúcho Moacyr Scliar. É a história de um rapaz ( o Pi do título) que, após um naufrágio de um cargueiro que levava sua família e um zoológico da Índia ao Canadá,  acaba sobrevivendo num barco salva-vidas com uma zebra, uma hiena, uma oragontango e um tigre-de-bengala, chamado Richard Parker.

Além de belíssimas imagens e impressionantes efeitos visuais, a história obviamente tem um grande conflito. É a necessidade de se conviver em tão pouco espaço com um animal selvagem (o tigre acaba devorando todos os outros logo no início da jornada) que faz o desenrolar do filme. Serão 227 dias de convívio, numa fábula de medo e respeito. Chega a ser incompreensível imaginar tal situação, mas tudo é feito de forma que se torna possível acreditar que realmente os fatos aconteceram daquela forma.

O tema da religiosidade está presente desde o início do filme, quando um Pi já adulto avisa a um interlocutor (um escritor em busca de uma boa narrativa) que contará uma história que “o fará acreditar em deus”. Na verdade, é um aviso a todos nós, para termos a ciência de que os acontecimentos que serão narrados estarão muito acima do mundo físico e racional em que vivemos.

É preciso ir além do que o filme nos mostra. E a síntese do filme está num dos diálogos finais, numa frase. “Qual história você prefere”, pergunta Pi  a seu amigo escritor. É uma pergunta que devemos fazer a nós mesmos, que extrapola a tela e nos faz pensar em nossas próprias vidas e o que queremos fazer delas.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Lei ou Justiça?







A decisão tomada pelo STJD em punir a Portuguesa pela escalação de um jogador desconhecido num jogo que já não valia nada na última rodada do Brasileirão equivale a punir com pena de morte a quem deu um tapa numa outra pessoa.

Qualquer pessoa, mesmo sendo torcedora do tricolor das Laranjeiras, sabe que em absolutamente nada teve influência a fatídica alteração realizada aos 35 minutos do segundo tempo. O mesmo ocorre com o Flamengo que também pode perder pontos por ter escalado André Santos num jogo tão amistoso contra o Cruzeiro que até o dia de sua realização foi alterado. Por que os times fariam tamanha lambança? Desorganização ou ingenuidade? Ou teríamos outras razões?

O Campeonato Brasileiro teve 38 rodadas. Transcorreu sem nenhum problema, sem qualquer ameaça de perda de pontos. Eis que, como numa estranha coincidência, um grande clube carioca, famoso por seu poder nos tribunais, vê a segunda divisão se aproximando de forma inescapável. Como num passe de mágica, informações ficam desencontradas, punições são descobertas, notificações não são dadas e tudo parece entrar num túnel do tempo que, pensava-se, tinha ficado para trás. Ainda mais quando o Fluminense figura como parte envolvida, uma vez que por diversas vezes vimos as chamadas “viradas de mesa” em favor do clube carioca que, por ironia, tem como mascote um cartola.

É preciso comparar a justiça comum com a justiça desportiva. Cada vez mais, aquela tem buscado a justiça, mesmo em detrimento ao que diz a letra fria da lei. Essa surge em plenpo século XXI ansiosa por cumprir o que diz o regulamento. Não se quer analisar as circunstâncias, os interesses, o que se ganhou com a infração cometida. Nada disso. Logo o futebol, um esporte, que no Brasil se notabilizou pela ginga, pelo drible, tem nos tribunais um molejo de zagueiro alemão, uma cintura dura, que não permite que se aplique uma pena conforme a infração que se cometeu.

O procurador Paulo Schmitt teve um posicionamento em 2010 a favor da justiça ( e não da lei) quando se cogitou tirar o título de campeão do Fluminense por irregularidades extracampo.  Chegou a dizer que era uma imoralidade o clube carioca fosse punido, mesmo tendo cometido uma infração semelhante à da Lusa de hoje. Agora, o mesmo procurador se mostra um guardião intransigente da lei. O que o terá feito mudar de ideia de forma tão radical?

Quem dera os clubes fizessem nos tribunais o que seus jogadores fazem quando um outro se machuca, colocando a bola pra fora para seu atendimento. O chamado fair-play. Imaginemos o presidente do Fluminense dizendo “O tribunal nos foi favorável. Mas preferimos jogar a série B, por uma questão de justiça.” Alguns tricolores, tenho certeza, teriam mais orgulho de seu time.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Marcelo Déda

 

As manifestações populares que vimos no funeral do governador Marcelo Déda mostraram o que ele representou para o povo sergipano. Um político moderno, que sabia conversar com as classes menos favorecidas e que personificou a ruptura de Sergipe com setores oligárquicos que há décadas mandavam em nosso Estado.

O sentimento que se viu na cerimônia fúnebre em Aracaju foi de orfandade. Milhares de pessoas pareciam olhar para o horizonte, que se mostra sombrio. Repentinamente, haviam ficado sem aquele que, com muito esforço, conseguira levar os trabalhadores, as classes populares, ao cargo máximo do poder executivo estadual. A vitória da ideologia sobre o dinheiro finalmente havia se concretizado. Claro que nem tudo foi um mar de rosas. Problemas existiram em seu governo, é certo, mas não se pode negar que a visão de um político socialista como foi Marcelo Déda difere (e muito) daqueles que pensam no poder como forma de exploração.

Ouvimos também nesses dias tristes, testemunhos da família, de amigos e mesmo de adversários. É certo que a morte santifica as pessoas, mas os pronunciamentos feitos nos fazem refletir um pouco e perceber que não é esse o caso. Desde a década de 80, com seu jeito diferente de fazer Política (com P maiúsculo, como bem disse a Presidente Dilma), Déda esteve sempre num nível acima de seus oponentes. Com a família, esteve sempre ao lado da mulher e dos filhos. Com a cultura, manteve relação de amor, colocando a leitura, o cinema e a música como suas paixões. Não à toa, é mencionado como um dos maiores oradores na política nas últimas décadas em nível nacional.

O fato é que a morte tem como uma de suas mais tristes características a certeza da finitude. Tudo o que foi, não mais será. Ela é o fim em si mesma. Acabou no dia dois de dezembro a trajetória brilhante do político e do homem Marcelo Déda. O que ainda conquistaria? Que alegrias teria? O que falaria a seu povo?  Nunca saberemos. Restou-nos o seu legado de homem público íntegro, pai de família responsável e pessoa culta. Que o seu exemplo sirva a outros políticos, para que possam ao menos ter em Marcelo Déda uma referência, uma meta a ser atingida. Já será um bom começo.