sábado, 5 de abril de 2014

Duplo estupro



O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) divulgou uma pesquisa que provocou fortes reações por parte da sociedade. Segundo o Instituto (que é um órgão governamental) nada menos que 65% das pessoas entrevistadas concordavam que mulheres que usam roupas que mostrem o corpo mereceriam ser atacadas.

As manifestações de repúdio ao alarmante dado ocorreram não apenas em nível nacional, mas também mundial. Jovens posaram com parte do corpo exposto em redes sociais e com a legenda "Não mereço ser estuprada". Claramente, a pesquisa colocava a "culpa" pelo estupro na vítima, como se o estuprador tivesse sido provocado por suas roupas e atitudes. Muito mais que um ato de violência e covardia, estaríamos diante de uma situação em que o criminoso não atacaria, caso a vítima não o incitasse a fazê-lo.

Passada uma semana de fortes debates, eis que o IPEA divulga que houve erro na divulgação da referida pesquisa. Simplesmente, o percentual de 65% era na verdade de 26%. Um erro de quase pontos percentuais. Teria havido um erro em relação a uma outra pergunta constante no questionário feito. A pergunta seria "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar?". As duas perguntas fazem parte de um trabalho intitulado Tolerância social à violência contra as mulheres, composto de 41 perguntas, que pretende mostrar como anda o preconceito ligado ao gênero no Brasil. Ressalte-se que há outros pontos alarmantes, como a concordância de 58,5 dos entrevistados com a afirmativa de que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Esse último dado foi ratificado pelo instituto.

Lamentável perceber que um instituto federal tenha cometido erro tão grosseiro. Ou, pior ainda, pensar se esse erro foi realmente acidental ou se há algum interesse em tal conteúdo. A pergunta tinha cunho somente sociológico ou esconderia a maldita justificativa de o ato violento ter acontecido? Outro ponto condenável é o de se aceitar o  novo percentual por ser mais baixo, considerando que "somente" 26 entre 100 pessoas colocariam a culpa na mulher estuprada pelo uso de suas roupas. É eximir da culpa os verdadeiros responsáveis, criminosos da pior espécie que são. É condenar a mulher pelo estupro, ou seja, estuprá-la mais uma vez, agora na sua integridade moral.

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