sexta-feira, 22 de julho de 2011

Da cabeleira do Zezé ao boi da cara preta



DA CABELEIRA DO ZEZÉ AO BOI DA CARA PRETA – por Moacir Poconé

Em um dos textos anteriores, falei sobre a ditadura do politicamente correto que assola nossa sociedade. Mencionei, inclusive, o fato de manifestações artísticas de outros tempos serem hoje consideradas “impróprias” ou até mesmo “ilegais”, o que poderia causar sérios problemas a autores consagrados de nossa cultura popular. Sem falar que, curiosamente, ainda hoje essas representações são cantadas ou comentadas pelas pessoas que sequer percebem o seu conteúdo “preconceituoso” como gostam de dizer os radicais de plantão.

Talvez o exemplo mais evidente seja o do compositor Lamartine Babo, autor de diversas marchas carnavalescas que ano após ano são cantadas nas ruas ou nos bailes carnavalescos. É dele a famosa “Cabeleira do Zezé”. Os versos “Olha a cabeleira do Zezé/Será que ele é?/Será que ele é?” hoje certamente seriam muito mal recebidos pela comunidade GLBT. Ainda mais séria é a composição “O teu cabelo não nega” em que o autor diz: “O teu cabelo não nega, mulata/porque és mulata na cor/Mas como a cor não pega, mulata/Mulata eu quero teu amor”. Observem que nos últimos versos o enamorado pela mulata afirma querer o seu amor pois a sua cor “não pega”, como se fosse uma doença. Em uma outra música sua, també muito conhecida, encontramos os seguintes versos: “Tu és morena uma ótima pequena / Não há branco que não perca até o juízo / Onde tu passas / Sai às vezes bofetão / Toda gente faz questão / Do teu sorriso”. Impensável nos dias de hoje surgirem composições com essas letras. Curioso, como dito acima, que sejam marchinhas cantadas normalmente todos os anos nos festejos de Momo. E ninguém pensa em proibir a execução dessas músicas.

Outro exemplo a ser dado nesse contexto é de um autor ainda mais conhecido: Vinícius de Moraes. Em seu texto Receita de mulher, ele é incisivo: “As muito feias que me perdoem/Mas beleza é fundamental.” E mais adiante, no mesmo texto, diz ser necessário que a mulher: “Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e/Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem /Com olhos e nádegas. / Nádegas é importantíssimo.” Os defensores do politicamente correto atacariam o poetinha, acusando-o de preconceituoso e que “a beleza interior é mais importante” e por aí vai.

Até mesmo em singelas cantigas de roda, tão populares entre as crianças, encontramos exemplos criticáveis por aqueles que carregam a bandeira dos bons costumes. Os defensores dos animais lutaram contra “Atirei o pau no gato” por se tratar de uma verdadeira apologia aos maus-tratos contra os animas. Após uma análise aprofundada da música, perceberam que a personagem da canção infantil atira o pau no gato, constata que ele não morreu e nos conta que uma outra pessoa (a Dona Chica) se admirou com o berro que o gato deu. Causado por uma dor muito grande, provavelmente. Certamente por isso fizeram uma versão “politicamente correta” da música. Aqui está ela: “Não atire o pau no gato (to-to)/Porque isso (sso-sso)/ Não se faz (faz-faz)/ Ô gatinho (nho-nho)/ É nosso amigo (go)/ Não devemos maltratar/ Os Animais/ Jamais!!!”. O próximo alvo dessa ditadura deve ser o “Boi da cara preta”, aquele que "pega menino que tem medo de careta". Os censores perguntarão: “Por que cara preta?” ou ainda "Será uma apologia à pedofilia?", antes de propor uma nova versão da cantiga. Na verdade, coisa de gente que não tem o que fazer.








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