quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Brasileiros e brasileiras


BRASILEIROS E BRASILEIRAS – por Vicente Bezerra

Era 1985. O Brasil lutava pelas eleições diretas, o movimento “Diretas Já!” reunia artistas, intelectuais, políticos e a massa. Mas as diretas não vieram. Nas eleições indiretas, Paulo Maluf saiu candidato, enfrentando do outro lado o pemedebista Tancredo Neves, que tinha como vice José Sarney, um dos criadores do recém-nascido PFL (um partido de direita, direita, bem direita mesmo). O congresso elegeu Tancredo e o povo depositou toda sua confiança em dias melhores no “bom velhinho”, que iria mudar o país após anos de domínio político militar.

Tancredo morreu antes de tomar posse o a comoção no país foi geral. As televisões transmitiam o funeral sem intervalos, ao som de “Coração de estudante”, de Milton Nascimento. Era versão na flauta, no piano, no violino. Faltou versão samba, pagodão e funk, mas nem existiam na época, nem era a ocasião. Na verdade, nem era necessário esse comentário engraçadinho. Mas eis que nosso personagem, o vice, assume. Sarney arvora pra si o título de herdeiro do legado de Tancredo. Em verdade, esse legado nada mais era que a esperança do povo de que a “situação ia melhorar”.

E Sarney cortou zeros. Era 1986. Era o plano cruzado. O agora presidente conclama os cidadãos, principalmente as donas de casa, para serem seus fiscais. Fiscalizarem os preços, para ajudarem no combate à inflação. Eram os “fiscais do Sarney”. Não adiantou. A inflação galopava, os aumentos eram constantes e os planos (ainda houve os planos Bresser e Verão) afundaram.

Teria dito o apóstolo Paulo aos corintianos, se vivesse naqueles dias: “Naquele tempo, as coisas aumentavam de preço rapidamente, homens de pouca fé!”. O que era comprado pela manhã, já tinha outro preço à tarde, e no outro dia já era outro o valor. Havia estocagem de alimentos. Famílias estocavam açúcar, óleo de soja e outras especiarias, em grande quantidade, tentando driblar o aumento constante nos preços. E sempre Sarney aparecia na TV para iniciar os seus discursos com o indefectível “Brasinleiros e Brasinleiras”, pedindo ajuda ao povo. Havia também os famigerados “gatilhos salariais”, que era o aumento do salário mínimo para tentar acompanhar a inflação. O tiro saiu pela culatra (óbvia a frase, sem graça) e quem tomou o tiro foi o povo, como sempre.

Bom, o tempo passou, a família Sarney cresceu, e a Capitania do Maranhão continua sendo hereditária (e ainda há a expansão para o Amapá). Nosso personagem foi acusado de superfaturamento e irregularidades em concorrências públicas. Isso foi em 1987 a 1989. Em 1990, Sarney se candidata a senador pelo Amapá. Tal manobra política, foi para impedir que o governo Collor (o caçador de “marajás”) investigasse a fundo denúncias de irregularidades no feudo do Maranhão (onde o babaçu abunda).

De lá pra cá, Sarney foi eleito presidente do Senado por três vezes. Nesse ínterim pipocaram denúncias contra Sarney e seu clã (onde se destacam Roseana e Fernando), como favorecimento da família usando a TV que lhes pertence com fins eleitorais, bem como a nomeação de parentes e agregados em cargos públicos e publicações “fantasmas” no Diário Oficial. Em fevereiro de 2009, “(...) a revista inglesa The Economist publicou reportagem fazendo críticas ao Sarney, classificando-o como "dinossauro" e "semifeudal": a revista trouxe reportagem que classificou sua eleição de “vitória do semifeudalismo”. A reportagem, intitulada “Onde os dinossauros ainda vagam” (“Where dinosaurs still roam”), de autoria do jornalista John Prideaux, afirmou que talvez fosse “hora de (Sarney) se aposentar”(...)” (retirado do Wikipédia). Tais denúncias foram abafadas e nenhuma investigação foi aberta contra o intocável Sarney, sempre aliado do poder. Não houve punição.

Mas eis que Sarney – que se diga, é membro da ABL (Academia Brasileira de Letras) – é eleito mais uma vez (a quarta), presidente do Senado. Temeu-se que acontecesse novamente o “efeito Severino” e optou-se pela solução de sempre: Sarney.

Num momento em que uma mulher é eleita presidente e que o país experimentou um bom momento de saúde econômica e crescimento social, alguns defeitos da nossa democracia continuam a existir. A reforma política é sempre adiada, talvez para beneficiar alguns. Mesmo evoluindo e muito, o Brasil não larga certas amarras que o impedem de decolar rumo ao primeiro mundo, mantendo-ancorado. Talvez seja o peso dos dinossauros, uma dessas amarras. Outra é a memória do povo e sua falta de inteligência ao votar: ainda há gente que pensa que eleger o palhaço Tiririca foi pior. Pior, é eleger quem nos faz de palhaço.

Um comentário:

  1. Realmente Sir Ney é uma vergonha para o Brasil. Pior é que o cara não larga o osso! Por mais que venham novidades como a eleição de uma mulher certas figuras permanecem na política brasileira como dinossauros. Parabéns Vicente pelo ótimo texto.

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