quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ouça o que eu digo: não ouça ninguém


OUÇA O QUE EU DIGO: NÃO OUÇA NINGUÉM – por Vicente Bezerra

O texto merece um preâmbulo, para os que têm menos de vinte e cinco anos: o título é o nome de uma música dos Engenheiros do Hawaii, grupo de rock gaúcho que fez fama no fim dos 80, até metade dos 90. Eles ainda existem e insistem (bom, eu gosto). Mas o objetivo do título é ser usado no final do texto, e lá vocês vão ver ele de novo.

A revista O Cruzeiro, a mais lida nos idos 50/60, trazia uma coluna chamada “Diálogos Impossíveis”. Num desses diálogos fez Nara Leão, expoente da bossa-nova recém surgida, entrevistar Vicente Celestino, cantor romântico das décadas de 30 e 40, de interpretação operística. Nara perguntou a Vicente o que achava da música nova (bossa, jovem guarda) em relação à música “velha”, do seu tempo. O cantor respondeu que não existia música nova e velha, apenas música boa ou ruim. Um tapa com luva de pelica (ditado popular da época).

Meu xará tinha razão. Temos acompanhados de tempos em tempos, o surgimento de ritmos e músicas de gosto duvidoso, de apelo popular, muitas vezes de duplo sentido (ou de sentido único mesmo) se tornarem sucesso imediato, absoluto, tocados pelas rádios à exaustão, até que as assimilemos, nem que seja por osmose. Depois dessa massificação, nos vemos, mesmo sem querer, assoviando a tal música ou a cantando no chuveiro. O bom disso é que, em meses, ninguém se lembra mais da tal música. Ou você ainda canta “vou passar cerol na mão, vou sim, vou sim”?

Lá pelo início dos anos 80, o “lixo musical” convivia pacificamente com a música mais “cabeça”. Odair José (pare de tomar a pílula!), Kátia (a cantora cega, do “não está sendo fácil”), Perla (a paraguaia) cabiam perfeitamente na programação musical das rádios com Caetano (você é linda), Osvaldo Montenegro (lua e flor), só pra citar alguns. O “lixo musical” hoje cresceu em número, decresceu em qualidade, e não dá espaços para outras alternativas. Ou ouvimos a “lapada na rachada” ou botamos a mão na cabeça porque vai começar o “rebolation”. Aquele cantor novo de MPB, não tem espaço na mídia, e, portanto, não vai ser conhecido ou fazer sucesso. Aquela cantora romântica, ou emplaca música na novela, ou adeus carreira. Vai ficar condenada a tocar para poucos, nos bares da vida. Enquanto isso, nossas filhas ouvem que “tem que fazer valer na cama, tem que fazer gostoso, pro gozo virar lama” (!!!???), repetidamente tocando no rádio.

Pior. Lá em cima do texto falei que essas músicas duram meses, mas ultimamente têm tido uma sobrevida maior. Eu torcia pra o É o Tchan acabar logo, mas duraram anos! Torcia por dois motivos: pra dançarinas saírem logo na playboy e pra não ouvi-los mais. Não bastasse isso, saiu na mídia essa semana que Cumpadi Washington, Jacaré e Beto Jamaica irão ressuscitar o grupo. Como acredito que só Jesus ressuscitou, estou tranqüilo.

Esse tema – a música que toca hoje nos rádios – daria uma tese, uma dissertação acadêmica, pois não falta pano pra manga. Citações de música ruim então, não haveria espaço aqui. “Bote a mão no joelho, dá uma abaixadinha”. Não boto, nem abaixo. Graças à minha formação musical - que agradeço a amigos, pais e a mim mesmo – fiquei e fico longe do que a mídia propaga como sendo música. Não é saudável, nem pros ouvidos, nem pro caráter. Muitas músicas hoje incentivam a bebedeira, agressão à mulher, o sexo livre. Não que você vá fazer algo só por ouvir a música, mas com o passar do tempo aquilo pode passar a ser aceitável, tolerável, normal, para uma gama de pessoas.

É aí que entra a frase do título. “Ouça o que eu digo: não ouça ninguém”! Não forme seu gosto musical pelo que toca por aí. Dificilmente você acha algo que valha a pena. Nem tampouco escute os que este “colunista” cita no texto, porque este os acha bom. “Do it Yourself!”. Faça você mesmo. Fuce, force, não fique na fossa. Pesquise, compare e escolha o que lhe aprouver. Você com certeza vai se deliciar com muitas coisas que nem imaginava existir na música e vai sentir muito prazer nisso. Não deixe que escolham por você.

3 comentários:

  1. E a gente pensava que o defunto já estava morto e enterrado...
    Valeu Vicente!

    Moacir Poconé

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  2. Vai começar um bombardeio na mídia por esses caras. Ainda bem que não assisto programas domingueiros de auditório nem ouço essas fm's populares. Parabéns pelo blog de vocês. Sempre passo por aqui!

    Wanderley

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  3. Ai meu saco!!!
    Wanderley meu amigo, sorte a sua que não os assisti, azar o meu que não os assisto também, mas tenho que ouvir (de tabela) os meus vizinhos assistindo. Deus, quando terei minha casa como isolamento acústico. Acho que vou botar a mão na cabeça, mas não para dançar o "rebolation" e sim para tapar os ouvidos...
    Um Abraço amigos.

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