quarta-feira, 28 de julho de 2010

A ditadura do vinil



A DITADURA DO VINIL – por Vicente Bezerra

“Mamãe tá dodói? Papai dá dá beijo que passa...”. É meus caros. Essa frase de uma música dos Aviões do Forró, sucesso do momento, talvez nem existisse ou nem conhecêssemos se ainda houvesse o vinil. Falo do disco, do LP (long player), que é esse sujeito da foto. O vinil é o pai do CD, avô do Mp3. O rei do 3 em 1!

O que digo no início faz sentido, porque o vinil não era democrático como é o CD. Explico: antes, era muito difícil pra um artista chegar a gravar um disco. O custo de um vinil era muito alto para as gravadoras apostarem em um artista. Gastava-se com a arte da capa, com o estúdio, com a banda de estúdio (isso mesmo, nem sempre quem tocava nos discos era o artista da capa, que só cantava), com produção, com propaganda, com a fabricação do disco em si (molde, prensagem).

Com o CD, tudo barateou. É mais fácil e barato gravar um CD. Hoje, um computador pode ser um estúdio. Por esses motivos, pra se gravar um LP o artista tinha que ser muito bom (qualitativamente e principalmente quantitativamente): ser promissor, na arte, nas vendas e na durabilidade de sua carreira. Com isso muita gente não teria espaço hoje em dia. Ou você acha que Lairton, Latino, Aviões, Restart, NxZero, Rodolfo e Cecília, Vítor e Léo teriam conseguido gravar discos? A resposta fica no ar, literalmente.

Só ia ao ar das rádios, os campeões de audiência e vendas de discos, como Roberto Carlos, Julio Iglesias, pra ficar nos românticos. Até no axé, poucas eram as bandas que conseguiam gravar discos. Asa, Chiclete, Daniela eram expoentes. Nunca que as “Patchankas” e “Tomates” da vida veriam seus nomes no selo das bolachas (aquele rótulo no centro dos vinis), por não possuírem os requisitos acima descritos. Mas a indústria tinha como fazer o teste das vendagens: os compactos. Os compactos eram discos de vinil pequenos, com no mínimo duas e no máximo quatro músicas, onde lançavam material dos artistas novos. Se vendesse bem, gravava o disco. Nos dias de hoje, seria como se Luan Santana gravasse o “meteoro da paixão” dele pra ver se emplacava. O CD nos trouxe esse prejuízo: ouvimos dezenas de música do mesmo artista, massificado pela propaganda, e catapultado ao sucesso efêmero, em parte proporcionado pelo baixo custo de se gravar atualmente (inclusive os dvds).

Outro fator da massificação da música foi a mudança de preço e a pirataria. Quando só existia o vinil, o preço era caro. Poucos podiam comprar vários de uma vez só. Foi quando surgiu a pirataria, que era a gravação do LP em fita K7 (uma prima do disco). Mesmo assim, era difícil a multiplicação da pirataria. Com o CD, o que eram dezenas de cópias, viraram milhares e mais baratas. Um cd virgem era mais barato que a fita, quando os dois ainda conviviam no mundo dos vivos. Com isso, os artistas já citados começaram a ganhar espaço, pois ficou mais fácil mostrar e distribuir o material que produziam (alguns chamam esse material de música). Em contrapartida, perderam dinheiro em vendas. Artistas ganham atualmente mais com shows.

Não, este não é um texto em defesa do vinil e crucificação do CD. Este tem uma qualidade sonora muito melhor. O que se quer dizer é que, quando o LP reinava, os artistas de destaque, nos diversos ritmos, tinham que ser bons no que faziam. A qualidade sonora melhorou, a musical não. Ouvir um disco era um ritual: tirar da capa, limpar, colocar a agulha, sentar para ouvir, levantar para trocar o lado. Não se dava “pause” nem colocava no “sorteio”. Embora não fosse nada prático, esse ritual prendia mais a atenção ao que estava sendo tocado.

Como todo ditador que se preza, o vinil ensaia a sua volta na forma de golpe: contra o bolso. A indústria se aproveita de um grupo restrito de amantes do vinil, que com suas idades de 30 anos em diante, possuem poder aquisitivo maior do quando viveram o auge do “bolachão” e aplicam nesses novos lançamentos valores exorbitantes. Um LP “novo” (existe mesmo) pode atingir os R$ 100,00!

O vinil está na UTI faz décadas e ameaça retornar do coma (eu torço, mas não acredito). O CD, graças à pirataria, em breve deve estar na cama ao lado. Mas ninguém pode dizer que essa ditadura não foi boa. A democracia do CD, em alguns casos, foi nociva. Pense do que você ia ser poupado!

Um comentário:

  1. Olhe, Vicente, sabe que não tinha pensado nessa "democratização" que o cd causou? Muito interessante o texto por mostrar um lado da indústria musical que passa despercebido para a maioria das pessoas. Realmente sem o cd teríamos ficado livres de muita coisa que não presta! Parabéns!
    Moacir Poconé.

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